Ainda
no rescaldo da ocorrência da passagem dos 40 anos do golpe militar de 11 de
setembro de 1973, aproveito o ensejo para que possamos compreender melhor as
causas que proporcionaram aquele sangrento acontecimento.
De uma forma
muito mais clara do que em outros países da América Latina, no Chile, os
interesses dos grandes proprietários de terra, dos banqueiros e dos
capitalistas se fundem totalmente em uma oligarquia poderosa que controla toda
a vida econômica do país, em conjunto com o imperialismo.
Torna-se quase
impossível estabelecer uma linha clara de demarcação entre os grandes
latifundiários e a burguesia chilena, que rapidamente se deram conta de sua
comunhão de interesses e se uniram em um bloco mais ou menos homogêneo,
contrário a mudanças radicais na estrutura da sociedade. Isto explica a
ausência de uma revolução democrático-burguesa no Chile e a frustração de todas
as tentativas de se realizar uma reforma agrária, como uma das tarefas
históricas mais importantes de tal revolução. A concessão, no passado, de uma
série de direitos democráticos foi resultado da existência de uma classe
trabalhadora forte e de alguns sindicatos poderosos. As pressões da classe
trabalhadora obrigaram a oligarquia a fazer uma série de concessões, o que só
foi possível devido a situação relativamente privilegiada da economia chilena
no período transcorrido entre as duas guerras mundiais.
Após a
conquista da independência, em 1818, alguns elementos mas radicalizados do
Exército, influenciados pelo exemplo da Revolução francesa, tentaram realizar
uma série de reformas que atentavam contra os interesses da Igreja e dos grandes
proprietários de terra. Porém, seus atos se chocaram com a resistência dos
“pelucones”, a fração feudalista, que foi imposta à constituição reacionária de
1833.
O
desenvolvimento de rudimentos capitalistas provocou o confronto entre liberais
e conservadores, na segunda metade do século XIX. Mas, no final desse século,
fundiram-se, repartindo os benefícios, graças ao controle do governo e do
Estado. Um fator importante nessa fusão foram as guerras constantes com o Peru
e a Bolívia, pela posse dos recursos minerais da região norte. A guerra do
Pacífico, em 1883, resolveu a questão a favor do Chile. Com a conquista do
deserto de Atacama, importantes jazidas de nitratos passaram às mãos da
oligarquia chilena. O Chile tomou posse das antigas províncias peruanas de
Tacna e Arica, com o compromisso de realizar um referendo (que, obviamente,
nunca aconteceu). Os capitalistas chilenos não viam nenhuma razão para
enfrentar a classe feudal e a casta militar (a qual as vitórias bélicas haviam
aberto perspectivas de enriquecimento sem precedentes) e se contentaram em
compartilhar o poder com elas, que, por sua vez, não vacilaram em participar
dos negócios da burguesia.
Desta forma,
desde o instante de seu nascimento, a burguesia nacional chilena mostrou todos
os sintomas de uma degeneração servil. Em vez de lutar consequentemente contra
o poder dos grandes proprietários de terras, se conformaram com uma aliança
servil, entregando a eles a melhor parte do poder estatal e compartilhando com
eles a riqueza extraída da superexploração dos trabalhadores e camponeses,
assim como os benefícios das guerras fronteiriças. Os burgueses possuíam terras
e os grandes proprietários de terras possuíam ações na indústria, na mineração
e no comércio: ambas as classes estavam estreitamente vinculadas através dos
bancos e dos interesses financeiros.
Por todas
essas razões, a burguesia chilena foi incapaz de realizar as tarefas
fundamentais da revolução democrático-burguesa, como tinham feito as burguesias
inglesa e francesa nos séculos XVII e XVIII respectivamente.
Mas da mesma
forma que a burguesia chilena foi totalmente incapaz de realizar uma reforma
agrária, no terreno da indústria e da mineração se entregou da forma mais
servil ao imperialismo estrangeiro, apesar dessa “idade de ouro” do capitalismo
chileno. Já nos anos da Primeira Guerra Mundial, 50% dos investimentos na
mineração eram estrangeiros. Rapidamente, o imperialismo, sobretudo o estadunidense,
se apossou da indústria do cobre. Em 1904, a mina El Teniente, que produzia a terça parte do total
nacional, passou às mãos de uma empresa ianque. Chuquicamata, que produzia aproximadamente a metade do
total nacional, foi comprada por outra empresa norteamericana em 1912. Em 1927,
Anaconda comprou Potrerillos,
que representava 1/6 da produção nacional de cobre. Durante mais de meio
século, companhias como Anaconda e Kennecott Copper levaram a cabo uma
autêntica sangria dos recursos minerais do país, acumulando imensas fortunas às
custas da classe trabalhadora chilena.
Por outro
lado, o auge da economia chilena deu suporte ao desenvolvimento da indústria e
da classe trabalhadora, motivando a emigração de massas camponesas pobres para
as cidades. Em 1907, 43,2% da população viviam nos centros urbanos; em 1920, este
índice subiu para 46,4%. 14% da população do país viviam na capital, Santiago.
Esse processo acelerado de proletarização conduziu às primeiras tentativas de
organizar a classe trabalhadora, começando pelo terreno sindical.
Já no início
do século, Luis Emilio Recabarren liderou o processo de organização nas minas
de nitratos. Mais tarde, em 1910, forma-se a Federação Operária Chilena (FOCh).
Dois anos depois, Recabarren tenta dar a primeira expressão política ao
movimento trabalhador chileno, com a formação do Partido Obrero Socialista
(POS) em Iquique.
Mas a
tragédia da classe trabalhadora chilena foi que a consolidação do Partido
Comunista coincidiu com a degeneração stalinista da URSS. O mesmo processo se
deu em todos os partidos da Internacional Comunista, que seguiam cegamente a
linha política determinada pelos interesses da burocracia russa. A partir de
1928, a Internacional criada sob a política leninista do internacionalismo
proletário, aprovou oficialmente a teoria stalinista do “socialismo em um só
país”, o que converteu os partidos comunistas em meros instrumentos da política
exterior da burocracia russa. Este foi o fator decisivo da degeneração
nacional-reformista de todos os partidos da Internacional Comunista¹.
Desde novembro de 1970,
o problema da tomada do poder político se coloca objetivamente para a classe
operária. A crise da economia capitalista e da dominação burguesa no Chile se aprofundava
com o controle do governo pela Unidade Popular² que se apoiava sobretudo nos grandes
partidos da classe operária. A divisão da burguesia e a ascensão do movimento
de massas permitem que chegue ao Governo a UP, que por sua vez irá estimular a
expansão e a radicalização do movimento de massas, o que impede a burguesia de
superar a sua crise econômica. Estes fatores caracterizam o período pré-revolucionário que se abre e coloca na ordem do dia a questão da
tomada do poder.
No entanto, a forma de
intervenção do proletariado em 1970 contribuiu para esconder os problemas reais
que teria de enfrentar a classe operária em sua luta pelo poder. As experiências
do primeiro ano do governo permitiram a conscientização das possibilidades abertas
pelo governo da Unidade Popular. Primeiro, as lutas revelam uma classe
dominante na defensiva e desorientada; seu aparato repressivo é quase
neutralizado. Já desde aí se fazem sentir os benefícios de uma política popular
no que diz respeito aos salários, serviços e democratização da vida pública.
Então, progressivamente,
com o esgotamento da política de redistribuição, percebem-se os limites de uma
política popular no âmbito do regime capitalista. Ao mesmo tempo, começa-se a
perceber que o governo não é uma garantia para a criação gradual de um poder
popular: a opção pelos caminhos legais bloqueou seu projeto de assembléia do
povo, deu ao projeto de gestão operária ("participação") um simples
papel de consulta, e estabeleceu severos limites ao projeto de controle de
abastecimento (Junta de Abastecimento e Preços), para que este não pudesse
intervir no comércio estabelecido.
Estava delineada a crise
e sua consequência lógica na reação violenta da oligarquia chilena e seus “patrões”
estadunidenses.
1. Dessa maneira, os dirigentes
dos partidos “comunistas” se converteram nos aliados mais fervorosos da
burguesia “liberal”. Lênin havia lutado toda a sua vida contra esta política de
colaboração com os chamados elementos “progressistas” da burguesia, negando-se,
após a Revolução de Fevereiro na Rússia, a entrar no governo provisório de
coalizão com os liberais burgueses. Os mencheviques e os
social-revolucionários, naquele momento, justificaram sua entrada no governo
provisório – a primeira formação de uma frente popular na história –, alegando
que, na Rússia, um país atrasado onde a classe trabalhadora era uma pequena
minoria da população, as tarefas imediatas eram as tarefas da revolução
democrático-burguesa e que, portanto, os socialistas deviam aliar-se com os
partidos burgueses “progressistas” para lutar contra os restos do feudalismo e
da contra-revolução fascista. A resposta de Lênin foi taxativa: não confiar na
burguesia, nenhum apoio ao governo provisório, desconfiar sobretudo dos
elementos burgueses mais “radicais”, como Kerensky, nenhuma aproximação com os
demais partidos (se referia principalmente aos mencheviques). Em outras
palavras, confiar exclusivamente na força da classe trabalhadora organizada nos
conselhos de trabalhadores (sovietes), como único poder capaz de derrotar a
reação, conquistar as liberdades democráticas, realizar todas as tarefas da
revolução democrático-burguesa em aliança com as massas de camponeses pobres
mediante a tomada de poder e, em seguida, passar, de uma forma ininterrupta,
para a revolução socialista, a expropriação da burguesia e o início da
transformação socialista da sociedade. Lênin e os bolcheviques compreendiam que
a construção do socialismo não era possível em um só país, e muito menos em um
país atrasado como a Rússia de então, e por isso reconheceram a necessidade
imperativa da extensão da Revolução a outros países, sobretudo aos países
desenvolvidos da Europa. Por isso foi criada a III Internacional, a
Internacional Comunista, que proclamou a necessidade da Revolução mundial, dos
Estados Unidos Socialistas da Europa e, por último, da Federação Socialista
Mundial.
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7 comentários:
Explicando melhor o pensamento de Trotsky em cinco pontos fundaentais sobre o assunto “Frentes Populares”, temos:
1 - É um tipo diferenciado de governo burguês;
2 - Tem um claro conteúdo reformista e contra-revolucionário.
3 - Não tem, absolutamente nenhuma incompatibilidade com o regime capitalista/imperialista.
4 - Seu propósito é desmoralizar os trabalhadores, conduzindo-os a derrotas históricas.
5 - É um produto objetivo da crise de direção revolucionaria do movimento operário, mas oferece ao movimento operário uma maior oportunidade para superá-la.
Então, o que aconteceu no Chile não foi muito diferente disto. O governo Allende, apesar do respeito que temos por ele e sua resistência naquele 11 de setembro de 1973, no Palácio de La Moneda não passava de uma plataforma “frente populista” que agregava muitos setores e correntes de esquerda. Desde as mais autênticas às mais oportunistas/reformistas. E isso não poderia acabar numa revolução popular..... Jamais!
Consagrada como principal táctica da Internacional Comunista nos anos que antecederam a II Guerra Mundial, a política de frente popular continua a despertar paixões. Em tempos de crise aguda do capitalismo, e nas circunstância em que numa parte do Planeta se fala em «poder popular», «socialismo do século XXI» e afins, convém conhecer um pouco da história da frente popular, para que os erros e acertos do passado sejam os ensinamentos do presente
Em todo o caso, na sua primeira prova histórica nos anos 30, a experiência da Frente Popular, surgida na própria França, em 1936, e na Espanha no mesmo ano, pareceu confirmar os vaticínios de Trotsky. Na França, ainda nos anos 30, após ter conquistado grandes vitórias eleitorais numa conjuntura de grande ascensão do movimento operário e de iminente crise revolucionária, com o PCF na iminência de tomar o poder, os seus líderes conclamaram as massas a apoiarem a Frente Popular com o objectivo de «unificação da nação francesa». Em Janeiro de 1938, após ter sido chamado para um governo de união nacional liderado por Blum, que pretendia comprometer os comunistas e os conservadores da Federação Republicana, o PCF admitiu formar um governo com a burguesia, com Thorez, o seu secretário-geral, considerando que a aceitação da proposta reforçaria a resistência a Hitler, ao mesmo tempo que facilitaria a luta da Frente Nacional contra o fascismo. O resultado foi que em Setembro, sem que os comunistas chegassem a compor o governo, o radical Daladier assinou o Acordo de Munique, junto com o Reino Unido, a Alemanha e a Itália, provocando uma das mais vergonhosas capitulações das nações democráticas ao fascismo, implodindo de vez a Frente Popular.
Bastante esclacedora a postagem,,,,
Triste Chile!
De facto, a ascensão democrática de Salvador Allende, sua disposição em implantar um regime socialista democrático no Chile, sua política externa independente, o receio de que viesse a estimular países latino-americanos a procurarem novas opções de desenvolvimento e a se rebelarem contra as ditaduras militares já implantadas em diversos países do Cone Sul do Continente levaram à determinação dos EUA de organizarem um golpe militar no Chile com a articulação financeira, política e o apoio da media, da direita civil e militar do pais.
A ditadura do General Augusto Pinochet reverteu a reforma agrária do Governo Allende e implantou um programa neoliberal de reformas econômicas, sob o comando dos 'Chicago Boys' , um primeiro resultado do programa de formação de pessoal nos Estados Unidos, financiado pela Aliança para o Progresso, fenômeno que se repetiria mais tarde em outros países da América do Sul. A Operação Condor, a articulação dos governos militares para perseguir, capturar e executar as lideranças políticas de esquerda , teve como seu inspirador o Chile, com a famosa DINA, Direção de Inteligência Nacional, cujo chefe era pago pela CIA.
Sem dúvida a Operação Condor foi uma das mais terríveis ações conjuntas das ditaduras militares na América do Sul.
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