De quando em vez me apetece escrever por puro prazer,
e gosto muito de pequenas crônicas ou contos, também curtos, mas que suscitem o
ato de pensar sobre o que se leu. Este não somente agradou-me como me
proporcionou a satisfação de ter recebido elogios, até de um conhecido escritor.
- Mas, sem dúvida você é um sapo.
- Eu estou sapo... apenas isto.
- ...Sei...
Olhou para o companheiro ao lado e falou
entre os dentes:
- É mesmo um caso sério.
Voltou-se para o sapo.
- Conta um pouco do que você está sentindo.
Fala.
O sapo coçou o queixo, olhou em torno,
balbuciou uma palavra meio ininteligível.
- Está bem. Vou pensar. Quer dizer. Vou
contar.
Parou por alguns instantes encarando os dois
e continuou.
- Mas... vocês juram que não vão rir de mim?
- Claro.
Falou um deles.
Houve alguns instantes de silêncio. E o sapo
sussurou novamente aquela palavra.
- O que você disse?
Perguntou o outro.
- O nome dela.
Respondeu o sapo.
- Ah... sei...
Completou o outro como se não entendesse
nada. E continuou.
- Por que você diz que está sapo? Por que
você não se diz um sapo?
O sapo riu.
- Ih. Mas isso é uma longa história.
- Tá bem. Começa a falar. A gente quer saber.
Quem é ela? Como surgiu tudo isso? Conta pra gente, vai.
- Eu era um príncipe.
Disse o sapo ríspidamente.
Os dois se entreolharam desconfiados.
- Não me diga que é aquela historia da
Carochinha. É você, afinal?
- Sim! Sim, sou eu.
O sapo tinha um olhar triste, distante,
longínquo.
- Você está quase chorando.
- Penso na minha amada. Penso no meu encanto.
Penso o quanto sou infeliz.
- Ah! Cara, também não é assim.
- Pimenta no dos outros...
- É, você é um sapo diferente mesmo. Nunca vi
um sapo sofrer tanto. Como é que começou tudo isso?
- Ah! Não me diga que você nunca leu a
historinha?
- Claro. Quem não conhece?!
- Então você sabe de tudo, né?
Os dois confabularam alguma coisa. Olharam o
sapo atentamente.
- Mas como é que aconteceu? Por que você
continua sapo?
O sapo parou por alguns instantes. Soluçou.
Encarou os dois.
- É. Vou contar pra vocês... um dia, um dia
desses, um dia como outro qualquer, eu estava no brejo e fui andando, andando e
cheguei a um belo jardim. Eu juro... a condição de sapo já era pra mim uma
coisa tão normal. Ih, já havia se passado tanto tempo... bom eu sei que isso já
nem me importava tanto, mas...
- Mas?...
- Mas é que eu ouvi uma voz. Ela soava como
mel para mim. Era doce, feminina. Indescritível. tem vozes e tem vozes, certo?
Os dois balançaram a cabeça uníssono.
O sapo continuou:
- Ai eu virei na sua direção e eu vi.
Pausa.
- Viu o que?
- Vi a donzela mais charmosa, mais
encantadora da minha vida. Seus cabelos longos deslizavam suavemente sobre
aqueles ombros sensuais num contorno harmonioso. Seu olhar era terno, seu corpo
esguio, elegante. Seu sorriso, inebriante. A sua face. Ah, a sua face! Jamais
havia visto uma beleza tão esplendorosa. E o seu andar!? Tocava o chão com a
delicadeza de uma onça no cio. Fui acometido de uma súbita paixão. Meu coração
disparou... foi amor à primeira vista.
Outra pausa. O sapo olhava fixo em frente,
perdido em seus pensamentos.
- E ai... e ai?! Perguntou o outro ancioso.
- Hem! Hã... sei... onde é que eu estava
mesmo?
- Você tinha visto uma mulher que balançou o
seu coreto.
- Sim. Sabe a flor mais delicada de um
jardim? Sabe a música mais suave aos seus ouvidos? Sabe o nascer do sol, o
canto dos pássaros em
revoada. Humm... nada disso era um centésimo da sua poesia.
Eu, o sapo encantado estava finalmente, completamente encantaaaaado.
- Bom, mas na história tem o negócio do
beijo... O que você fez?
- Olha, cara, eu passei algumas noites sem
dormir direito. Balbuciava o seu nome, o seu doce nome. E pensava, pensava,
pensava. Afinal, como é que um sapo pode conseguir o beijo de tão encantadora
criatura?
- É mesmo uma situação braba!
- Eu tinha que chegar perto dela e dizer de
alguma forma. E foi o que eu acabei fazendo. Mas, eu não sei se não esperei o
momento certo, sabe como? Talvez eu
tenha sido muito impetuoso, precipitado, voraz. Mas eu não podia mais. Estava
possuido, completamente envolvido.
- E...?
- E... aconteceu o pior. Ela jamais iria amar
um sapo feio como eu. Dar-me um beijo então, nem se fala. Daí... estou eu
aqui... sapo, um simples sapo. Por quantas centenas de anos mais eu não sei,
pois talvez nunca volte a amar nenhuma outra mulher. Triste, triste amar sem
ser amado!
- Triste amar sem ser amado. Disse um.
- Triste.
Completou o outro.
O sapo olhou os dois. Virou-se, e, cabisbaixo retirou-se, balbuciando o
nome de sua amada, o olhar perdido no infinito.
Esta historinha foi registrada na Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro)
em abril de 1996...
Esta é uma peça para impressão que mede 30x11cm. Copie e cole numa pasta, imprima e divulgue nossa luta |
Um comentário:
Li este "Um dia... um sapo" aqui mesmo em Novas Pensatas, e gostei demais da forma que você reconta o conto. E nesta forma de diálogo o leitor vai se situando a pouco e pouco na medida em que surgem pontos de referência marcantes de uma história que, acredito eu, quase todo mundo conhece.
Aliás, outros escritos seus tambem aqui publicados, como "A gaveta", "Princesa do Agreste", "Everything chamges" ou "Tempo, Espaço, Tempo" são excelentes e sugiro que os republique
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