domingo, 23 de abril de 2017

Pensatas de Domingo. Chávez, Bolívar e a democratização da comunicação



Quando se trata de bolivarianismo estamos falando de um processo de transformações políticas, sociais e culturais
  
Caio Clímaco*
Belo Horizonte, 17 de Abril de 2017

O termo "bolivarianismo" tornou-se conhecido mundialmente por conta do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez que realizou o resgate dos ideais do libertador Simon Bolívar durante o processo de desencadeamento da revolução bolivariana, no final dos anos 1990. Desde então, a expressão é utilizada e caracterizada frequentemente pela grande mídia brasileira com um caráter pejorativo e depreciativo, em que se busca desvirtuar o real significado dessa palavra. Em diversos veículos de comunicação de massa, o "bolivarianismo" é constantemente representado como um projeto de sociedade socialista retrógrada e autoritária que restringe a liberdade de imprensa e diminui o papel das instituições públicas.
 
Fato é que, quando se trata de bolivarianismo, estamos falando de um processo de transformações políticas, sociais e culturais, baseadas no resgate da história e da identidade do povo latino-americano e, mais do que isso, estamos falando também de participação popular, democracia direta e poder popular. O termo tem sua origem baseada no projeto de libertação iniciado por Simon Bolívar que teve continuidade nos governos da Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua. Simon Bolívar é um personagem importantíssimo na história da luta pela independência de pelo menos 6 países na América Latina (Bolívia, Equador, Colômbia, Panamá, Peru e Venezuela) e tinha como guia para as suas ações o lema "Pátria ou Morte", no entanto, a importância histórica do seu legado é pouquíssimo reconhecida no Brasil.
 
Nascido em 1783, na cidade de Caracas, na Venezuela, Simon Bolívar teve como ideal de sua vida a libertação e a independência dos povos da América da Latina. Para ele, somente a partir da liberdade dos povos latino-americanos seria possível alcançar outras conquistas importantes. Tanto lutou que conseguiu. Bolívar, mesmo sendo de origem aristocrata, não se vendeu a uma possível vida de privilégios e acabou sendo bastante influenciado pelas ideias libertadoras do pedagogo Simon Rodriguez, seu principal mentor. Durante o período de estudos que teve na Europa, acabou influenciado também pelas ideias iluministas e teve uma formação de caráter humanista.
 
Em 1813 liderou a luta pela independência na Venezuela, sendo proclamado El Libertador após vencer duras batalhas contra os espanhóis colonizadores. A partir daí participou da fundação e foi governador da Grande Colômbia (composta por Bolívia, Equador, Venezuela e Panamá), governou o Peru e a Bolívia e, ainda hoje, esse importante personagem da história influencia povos no continente sul-americano e em outras partes do mundo através de seus escritos, inspirando liberdade, autonomia, firmeza, valentia e força espiritual. Cabe ressaltar também que, ainda no século XIX, Simon Bolívar compreendeu a importância da comunicação em sua época, criando o jornal Correo del Orinoco que serviu como um importante instrumento propagandístico dos seus ideais e que tinha como lema a seguinte frase: "Somos libres, escribimos en un país libre y no nos proponemos engañar al público", ou somos livres, escrevemos em um país livre e não nos propomos a enganar o público.
 
Mas por que então a grande mídia brasileira teima em trabalhar para defenestrar este importante símbolo mundial? Por que será que nós brasileiros não conhecemos o legado e as ideias de Simon Bolívar? Para responder a essas questões convido o leitor(a) a refletir sobre o comportamento da grande mídia brasileira no decorrer da história recente do Brasil. Vamos resgatar aqui apenas um importante exemplo, mas em todo caso é possível fazer pesquisas mais aprofundadas na internet para se encontrar diversos outros casos semelhantes, pois este é o modus operandi dos grandes meios de comunicação.
 
A Rede Globo por exemplo apoiou, em 1964, o Golpe Militar que sequestrou a democracia brasileira por mais de 20 anos, além de assassinar e torturar militantes de esquerda e outros civis. Se não bastasse o apoio ao golpe, a grande mídia foi a responsável por contribuir incisivamente na marginalização de importantes militantes que atuaram contra o regime autoritário dos militares, foi o caso por exemplo de Carlos Marighella, líder da Ação Libertadora Nacional, organização de esquerda que lutou arduamente pela conquista da democracia. Marighella foi e continua sendo acusado – pelos mesmos meios de comunicação – de facínora e terrorista, tudo isso porque, assim como Simon Bolívar, lutou pela liberdade de seu povo.
 
Em resposta a segunda pergunta podemos afirmar que não conhecemos o legado de Simón Bolívar porque temos um sistema de comunicação extremamente elitizado e concentrado nas mãos de pouquíssimas pessoas. Para se ter uma ideia melhor, quatro famílias são detentoras dos principais veículos de comunicação do país, seja ele revista, rádio, tv ou portais da web, somando um patrimônio de mais de 30 bilhões de reais. Essas famílias não possuem o mínimo de comprometimento com a democratização da informação e o pior, inventam a seu bel prazer as verdades que lhe convém, criando os heróis e os vilões de acordo com o seu interesse próprio.
 
A Constituição brasileira nos garante o direito à informação, no entanto, o que acontece na prática é um monopólio dos meios de comunicação por parte dessas famílias e o distanciamento da sociedade a esse direito. Além disso, a Constituição de 88 também proíbe deputados e senadores de participarem de organização definida como "pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público", no entanto pesquisas publicadas pelo site “Donos da Mídia” apontam que cerca de 20 senadores, 40 deputados federais, 55 deputados estaduais e 147 prefeitos são sócios ou diretores de empresas de radiodifusão.
 
Fica nítido que os personagens relevantes de nossa história estarão subjugados aos interesses de quem controla os meios de comunicação no país. A história de resistência e de luta do povo brasileiro e latino-americano estará debaixo do tapete enquanto não existir um processo de democratização da mídia no Brasil.
Uma frase que se tem escutado com certa frequência ultimamente é de que "estamos vivendo tempos sombrios". É hora portanto de resgatarmos a nossa história, nossos heróis nacionais e latino-americanos, pois um povo sem memória é um povo sem história. É hora de democratizarmos a comunicação e de compreendermos este direito como um direito legitimamente nosso, do povo brasileiro. Um direito que não nos será dado e que precisa ser conquistado, pois não é de interesse dessas organizações que a sociedade brasileira compreenda a sua história. Mais do que nunca é necessário compreendermos o nosso passado para que possamos construir o futuro de forma consciente, utilizando nossas próprias mãos para dar um sentido de pátria a este país.
 
*Caio Clímaco é estudante de Ciência do Estado e militante da Consulta Popular.

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