Quando se trata de bolivarianismo
estamos falando de um processo de transformações políticas, sociais e culturais
Caio
Clímaco*
Belo Horizonte, 17 de Abril de 2017
O termo "bolivarianismo" tornou-se
conhecido mundialmente por conta do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez que
realizou o resgate dos ideais do libertador Simon Bolívar durante o processo de
desencadeamento da revolução bolivariana, no final dos anos 1990. Desde então,
a expressão é utilizada e caracterizada frequentemente pela grande mídia
brasileira com um caráter pejorativo e depreciativo, em que se busca desvirtuar
o real significado dessa palavra. Em diversos veículos de comunicação de massa,
o "bolivarianismo" é constantemente representado como um projeto de
sociedade socialista retrógrada e autoritária que restringe a liberdade de
imprensa e diminui o papel das instituições públicas.
Fato é que, quando se trata de bolivarianismo,
estamos falando de um processo de transformações políticas, sociais e
culturais, baseadas no resgate da história e da identidade do povo
latino-americano e, mais do que isso, estamos falando também de participação
popular, democracia direta e poder popular. O termo tem sua origem baseada no
projeto de libertação iniciado por Simon Bolívar que teve continuidade nos
governos da Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua. Simon Bolívar é um
personagem importantíssimo na história da luta pela independência de pelo menos
6 países na América Latina (Bolívia, Equador, Colômbia, Panamá, Peru e
Venezuela) e tinha como guia para as suas ações o lema "Pátria ou
Morte", no entanto, a importância histórica do seu legado é pouquíssimo
reconhecida no Brasil.
Nascido em 1783, na cidade de Caracas, na
Venezuela, Simon Bolívar teve como ideal de sua vida a libertação e a
independência dos povos da América da Latina. Para ele, somente a partir da
liberdade dos povos latino-americanos seria possível alcançar outras conquistas
importantes. Tanto lutou que conseguiu. Bolívar, mesmo sendo de origem
aristocrata, não se vendeu a uma possível vida de privilégios e acabou sendo
bastante influenciado pelas ideias libertadoras do pedagogo Simon Rodriguez,
seu principal mentor. Durante o período de estudos que teve na Europa, acabou
influenciado também pelas ideias iluministas e teve uma formação de caráter
humanista.
Em 1813 liderou a luta pela independência na
Venezuela, sendo proclamado El Libertador após vencer duras batalhas
contra os espanhóis colonizadores. A partir daí participou da fundação e foi
governador da Grande Colômbia (composta por Bolívia, Equador, Venezuela e
Panamá), governou o Peru e a Bolívia e, ainda hoje, esse importante personagem
da história influencia povos no continente sul-americano e em outras partes do mundo
através de seus escritos, inspirando liberdade, autonomia, firmeza, valentia e
força espiritual. Cabe ressaltar também que, ainda no século XIX, Simon Bolívar
compreendeu a importância da comunicação em sua época, criando o jornal Correo
del Orinoco que serviu como um importante instrumento propagandístico dos
seus ideais e que tinha como lema a seguinte frase: "Somos libres,
escribimos en un país libre y no nos proponemos engañar al público", ou
somos livres, escrevemos em um país livre e não nos propomos a enganar o
público.
Mas por que então a grande mídia brasileira teima
em trabalhar para defenestrar este importante símbolo mundial? Por que será que
nós brasileiros não conhecemos o legado e as ideias de Simon Bolívar? Para
responder a essas questões convido o leitor(a) a refletir sobre o comportamento
da grande mídia brasileira no decorrer da história recente do Brasil. Vamos
resgatar aqui apenas um importante exemplo, mas em todo caso é possível fazer
pesquisas mais aprofundadas na internet para se encontrar diversos outros casos
semelhantes, pois este é o modus operandi
dos grandes meios de comunicação.
A Rede Globo por exemplo apoiou, em 1964, o Golpe
Militar que sequestrou a democracia brasileira por mais de 20 anos, além de
assassinar e torturar militantes de esquerda e outros civis. Se não bastasse o
apoio ao golpe, a grande mídia foi a responsável por contribuir incisivamente
na marginalização de importantes militantes que atuaram contra o regime
autoritário dos militares, foi o caso por exemplo de Carlos Marighella, líder
da Ação Libertadora Nacional, organização de esquerda que lutou arduamente pela
conquista da democracia. Marighella foi e continua sendo acusado – pelos mesmos
meios de comunicação – de facínora e terrorista, tudo isso porque, assim como
Simon Bolívar, lutou pela liberdade de seu povo.
Em resposta a segunda pergunta podemos afirmar
que não conhecemos o legado de Simón Bolívar porque temos um sistema de
comunicação extremamente elitizado e concentrado nas mãos de pouquíssimas pessoas.
Para se ter uma ideia melhor, quatro famílias são detentoras dos principais
veículos de comunicação do país, seja ele revista, rádio, tv ou portais da web,
somando um patrimônio de mais de 30 bilhões de reais. Essas famílias não
possuem o mínimo de comprometimento com a democratização da informação e o
pior, inventam a seu bel prazer as verdades que lhe convém, criando os heróis e
os vilões de acordo com o seu interesse próprio.
A Constituição brasileira nos garante o direito à
informação, no entanto, o que acontece na prática é um monopólio dos meios de
comunicação por parte dessas famílias e o distanciamento da sociedade a esse
direito. Além disso, a Constituição de 88 também proíbe deputados e senadores
de participarem de organização definida como "pessoa jurídica de direito
público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa
concessionária de serviço público", no entanto pesquisas publicadas pelo
site “Donos da Mídia” apontam que cerca de 20 senadores, 40 deputados federais,
55 deputados estaduais e 147 prefeitos são sócios ou diretores de empresas de
radiodifusão.
Fica nítido que os personagens relevantes de
nossa história estarão subjugados aos interesses de quem controla os meios de
comunicação no país. A história de resistência e de luta do povo brasileiro e
latino-americano estará debaixo do tapete enquanto não existir um processo de
democratização da mídia no Brasil.
Uma frase que se tem escutado com certa frequência
ultimamente é de que "estamos vivendo tempos sombrios". É hora
portanto de resgatarmos a nossa história, nossos heróis nacionais e
latino-americanos, pois um povo sem memória é um povo sem história. É hora de
democratizarmos a comunicação e de compreendermos este direito como um direito
legitimamente nosso, do povo brasileiro. Um direito que não nos será dado e que
precisa ser conquistado, pois não é de interesse dessas organizações que a
sociedade brasileira compreenda a sua história. Mais do que nunca é necessário
compreendermos o nosso passado para que possamos construir o futuro de forma
consciente, utilizando nossas próprias mãos para dar um sentido de pátria a
este país.
*Caio Clímaco é estudante de Ciência
do Estado e militante da Consulta Popular.
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