Neste sábado o Mercosul suspendeu a Venezuela por não respeitar a
democracia. E o mais curioso é que Argentina e Brasil estavam à frente desta
iniciativa. Ambos, certamente “exemplos” de uma verdadeira democracia. Fazem-nos
rir!
Pesquisando na internet, encontrei a matéria a seguir, intitulada “Apesar
da crise, Venezuela deve seguir pelo caminho bolivariano” de autoria de Almir Felitte que achei muito apropriada sobre o que se passa
naquele país, esclarecendo muitos pontos obscuros de sua realidade ontem e
hoje.
No
último fim de semana, a oposição venezuelana protagonizou mais um episódio da
crise que assola o país. Contrariando a vontade do governo federal, a
Assembleia Nacional da Venezuela realizou um plebiscito não oficial para
consultar a opinião popular acerca da Constituinte proposta por Maduro, cujas
eleições devem ocorrer no fim do mês.
O
resultado das urnas, como esperado, foi de vitória para a oposição, com mais de
98% dos votantes sendo contrários à Constituinte. As urnas, porém, não refletem
a realidade do país, já que apenas cerca de 7 milhões de eleitores
compareceram. Nas últimas eleições realizadas no país, as parlamentares de
2015, eram 20 milhões de eleitores, sendo que a oposição angariou 7,7 milhões
de votos, conquistando maioria no Legislativo.
Isso
indica que pouco mudou no cenário político venezuelano desde então, já que,
provavelmente, a população que apoia o governo bolivariano simplesmente ignorou
o plebiscito. É claro que a grande adesão a um processo informal como o que
ocorreu é um indicativo da força da oposição, mas a abstenção observada
demonstra que o chavismo venezuelano está longe de morrer.
Esse
foi apenas mais um capítulo da grave crise política e econômica que já vitimou
cerca de 100 venezuelanos. Mas o conflito é muito mais complicado do que a
grande mídia mundial vem tentando mostrar. Há manifestações gigantescas de
ambos os lados, bem como a prática de atos de violência.
Se
as prisões arbitrárias de rivais políticos de Maduro devem ser condenadas, da
mesma forma não se pode aceitar que a oposição continue fazendo ataques que
prejudicam, sobretudo, os mais pobres do país, apoiadores históricos do
chavismo. O comércio ilegal de produtos subsidiados pelo Estado e o recente
atentado que queimou mais de 50 toneladas de alimentos de uma rede estatal que
abasteceria comunidades pobres de Anzoátegui são apenas alguns exemplos.
Essa
crise que vem se arrastando desde a morte de Hugo Chávez, em 2013, e vem
colocando o povo venezuelano em um conflito civil, tem como centro, sem dúvidas
o legado chavista. Se para a oposição Hugo jogou o país em uma situação
política e econômica tenebrosa, para os bolivarianos, o ex-Presidente é
responsável por um novo modelo econômico que revolucionou a vida de milhões de
venezuelanos que, durante décadas, viram o dinheiro do petróleo do país se
concentrar nas mãos de poucos.
Se
analisarmos os dados do país durante o período em que foi governado por Hugo
Chávez, realmente há motivos de sobra para compreender o apoio incondicional de
grande parte dos venezuelanos ao modelo bolivariano.
Segundo
o Banco Mundial, entre 1990 e 1998, por exemplo, nos governos de Pérez e
Caldera, ambos responsáveis por reformas liberais, o PIB do país saltou de U$
47 bi para U$ 91 bi, um aumento médio de 24% ao ano. Já durante o governo de
Chávez, o avanço foi de U$ 98 bi em 1999 para mais de U$ 381 bi em 2012, um
aumento médio na economia de cerca de 30% ao ano. Vale lembrar que, nos mesmos períodos,
a economia mundial teve um aumento de, respectivamente, 17,3% e 17,7%.
Além
disso, desde 1987 o PIB per capita do país estava abaixo da média mundial. Em
1998, um ano antes de Chávez assumir, ele era de apenas U$ 3.875, 27% abaixo
dessa média. Mas, com uma guinada a partir de 2003, a Venezuela ultrapassou o
índice médio em 2008. Em 2012, o PIB per capita do país era de U$ 12.755,
equivalente a 121% do mundial.
Durante
o governo de Hugo Chávez, porém, o país não só viveu um período de incremento
da economia, puxado principalmente pelo aumento da produção de petróleo, como
assistiu a melhorias sociais e à redução das desigualdades. Segundo a ONU, em
2012, a Venezuela ostentava o menor índice de Gini (0,41) da América Latina, ou
seja, era o país com menos desigualdade social no continente. Além disso, sua
taxa de pobreza urbana caiu de 49% em 1999 para 29% em 2010.
As
melhoras também podem ser bem observadas através do IDH do país. Dos 100 países
mais bem colocados no ranking de desenvolvimento humano, 78 viram seus índices
desacelerarem nos anos 2000 quando comparados às melhoras ocorridas nos anos
90. Apenas 22 países contrariaram o fenômeno mundial e se desenvolveram de
forma ainda mais acelerada durante os anos 2000.
A
Venezuela, onde Hugo Chávez assumira o governo em 1999, é um desses países que
acelerou seu desenvolvimento humano nos anos 2000. Aliás, com uma evolução de
1,18 % ao ano, teve o 10º crescimento mais acelerado entre os 100 primeiros
países neste ranking.
É
claro que nem tudo foram flores para a Venezuela desde o início do governo
bolivariano. O país nunca foi capaz de resolver problemas como a inflação ou as
altas taxas de criminalidade e de violência. Apesar de que, a respeito da
inflação dos preços ao consumidor, esta é um problema no país desde 1987,
quando atingiu 28% e nunca mais caiu, chegando a picos de 85% em 1989 e quase
100% em 1996. Ao menos com Chávez o ápice da inflação foi de “apenas” 32% em
2008, flutuando entre isso e 12% nos 14 anos em que esteve no poder.
Mas todos esses dados favoráveis
levam a uma pergunta: como a Venezuela chegou à situação em que se encontra
hoje?
Para
entender a atual situação venezuelana, é necessário se aprofundar nas
estruturas de sua economia. Aliás, mesmo sem muito aprofundamento, já é
possível constatar algo muito importante: praticamente toda a economia da
Venezuela se baseia em commodities, sobretudo a exploração de petróleo. Segundo
o Observatório of Economic Complexity do MIT, os três principais produtos de
exportação da Venezuela em 2015 foram o petróleo cru (U$ 24,9 bi), petrolíferos
refinados (U$ 5,57 bi) e ouro (U$ 916 mi), somando mais de 90% de um total de
U$ 34,3 bi exportados.
Mas
não se pode dizer que a falta de diversificação da economia seja um problema
atual na Venezuela. Ou mesmo que seja um problema apenas da esquerda no país.
Em 1995, as exportações venezuelanas eram compostas de 78% de produtos minerais
(37% de petróleo cru e 37% de petróleo refinado) e 9% de metais. Situação não
muito diferente de 1998, com 75% de produtos minerais (37% de petróleo cru e
32% de petróleo refinado) e 9% de metais entre suas exportações.
Aliás,
nem mesmo se pode dizer que a economia baseada em commodities seja um problema
exclusivamente venezuelano. Na verdade, a situação é bastante típica da América
Latina, à direita e à esquerda, e explica os recentes abalos políticos e
econômicos no continente.
A
Colômbia, com cerca de 48 milhões de habitantes, tem 56% de suas exportações
centradas em minerais e outros 23% em pedras, metais, frutas e vegetais. Minerais,
vegetais, frutas, metais e alimentos compõem 85% das exportações peruanas, cuja
população é de 32 milhões. Enquanto isso, na europeia Polônia, com 38 milhões
de habitantes, 40% de suas exportações são compostas de máquinas, eletrônicos e
tecnologia de transportes. Somados, os PIBs de Colômbia e Paraguai chegam a U$
474,5 bi, um pouco mais que os U$ 469,5 bi poloneses.
O
caso venezuelano é ainda mais grave, já que praticamente toda a sua balança de
exportações está baseada em duas únicas commodities: petróleo cru e petróleo
refinado. E ambos seguiram a tendência mundial e viram seus preços despencarem
desde 2014. Desse modo, o barril de petróleo da OPEP chegou a atingir U$ 25, chegou
a atingir seu menor preço desde 2003.
E
os prognósticos não são nada bons. O FMI
prevê que o preço dos petróleos Brent e WTI, mais valorizados que o venezuelano
da OPEP, não devem ultrapassar os U$ 60 até 2018, valor ainda bastante abaixo
dos U$ 120 anteriores ao da crise das commodities.
Tais
fatos, por si só, já explicam boa parte da crise que assola a Venezuela nos
últimos anos. O chavismo acertou ao promover um grande crescimento na economia
do país tomando controle da PDVSA e nacionalizando a produção de petróleo. Teve
ainda mais êxito ao fazer algo até então inédito na Venezuela e finalmente
distribuir as riquezas oriundas do “ouro negro” explorado no país. Os dados
econômicos nesse sentido são claros.
Mas
Hugo Chávez cometeu o mesmo erro que seus antecessores e praticamente todos os
governantes latinos já cometeram ao não aplicar os excedentes em um plano de
industrialização do país. Assim, a Venezuela jamais se libertou de uma economia
presa a um mercado que não pode ser controlado por seu próprio governo, ficando
vulnerável às flutuações do preço do petróleo. Um erro grave, mas longe de ser
tipicamente bolivariano.
Infelizmente
o inevitável aconteceu quando Chávez não estava mais vivo e, em seu lugar, já
havia assumido Maduro, sem o mesmo carisma e habilidade política de seu
antecessor. Apesar de alguns grandes grupos de mídia pregarem o contrário, a
comunidade internacional jamais contestou a legitimidade do governo chavista,
chegando inclusive a condenar a tentativa de golpe em 2002 contra Chávez. Já
Maduro, fragilizado, tem dado força ao discurso oposicionista e ameaça colocar
em xeque o legado bolivariano.
Mas
em meio a essa grande crise, surge ao menos um alento à população venezuelana.
Ainda que a grande mídia e a oposição venezuelana, capitaneada por Capriles e
um setor da burguesia que viu seu poder ruir com o fim de políticas
entreguistas no país, empenhem toda sua energia para que ela não aconteça, a
Assembleia Constituinte convocada por Maduro pode, sim, se tornar um marco
democrático na Venezuela.
Para
o Professor Igor Fuser, a inovação que a Constituinte venezuelana traz é um
avanço em relação à democracia liberal. Isso porque ela será composta por dois
terços de eleitos pelo método tradicional de voto, enquanto um terço ficará
reservado para “representantes de setores específicos da sociedade –
trabalhadores urbanos, camponeses, empresários, indígenas e aposentados, entre
outros”.
Desse
modo – acrescenta o professor – a nova Constituinte mescla formas
participativas e representativas de democracia e valoriza organizações
coletivas que facilitam a prática da cidadania como associações e sindicatos. E
os mais de 52 mil venezuelanos que já se candidataram demonstram o entusiasmo
que a iniciativa pode despertar na população.
O
bolivarianismo corrigiu desigualdades e injustiças históricas na Venezuela
através de um alto crescimento econômico e uma forte distribuição de renda e
isso é algo incontestável. Além disso, o movimento venezuelano inspirou outros
países latinos a seguirem o mesmo caminho e conquistarem situações ainda
melhores que a da Venezuela, como na Bolívia ou no Equador, por exemplo.
A
crise pela qual passa a Venezuela deve, de fato, fazer a população e o chavismo
repensarem suas políticas, mas ela não pode, de maneira nenhuma, levar o povo
venezuelano ao retrocesso. Liberais da MUD jamais conseguiram apresentar
qualquer projeto de desenvolvimento para o país, embora tentem aplicar um golpe
de Estado desde 2002, quando não conseguiram aceitar a nacionalização do
petróleo. A Constituinte, por outro lado, pode abrir uma nova fase no
bolivarianismo, construindo poder popular. Resta ao povo venezuelano usar tal
poder para enfim criar um projeto econômico sustentável, algo inédito no
contexto latino.
Almir Felitte é advogado, graduado pela Faculdade de
Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
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