Publicado anteriormente no “Pensatas”. Lá foi a postagem de número 107, aqui ela é a centésima sexta. E é um texto bastante apropriado para a época natalina.
“Chegou, enfim, um tempo em que tudo o que os seres humanos haviam considerado inalienável tornou-se objeto de troca, de tráfico e pode alienar-se. É o tempo em que as coisas mesmas, que até então eram comunicadas, mas nunca trocadas; dadas, mas nunca vendidas; conquistadas, mas nunca compradas – virtude, amor, opinião, ciência, consciência etc – em que tudo, enfim, passou para o comércio. É o tempo da corrupção geral, da venalidade universal ou, para falar em termos de economia política, o tempo em que qualquer coisa, moral ou física, tendo-se tornado valor venal, é levada ao mercado para ser apreciada por seu valor adequado”
Quando Marx escreveu o texto acima sobre o Fetiche da Mercadoria no livro “Miséria da Filosofia”, ainda não existia uma sociedade de consumo. Os valores eram outros. Mas, nunca como hoje o termo se justifica e pontua tanto a realidade social por que passamos. A frieza do “ser” e do “não ser” em nossa sociedade passa a ser mais sério quando o indivíduo é considerado pelo que “possui”, e não pelo que “é” na realidade. Pouco importa o seu saber, as suas idéias, a sua riqueza interior. Importa, sim a posse de mercadorias que o fazem “importante”. O neo-liberalismo só veio agravar e acentuar esta realidade. Segundo o pensador Anselm Jappe (1): “Na sociedade fetichista não pode existir verdadeiramente um sujeito, porque o sujeito, na sociedade da mercadoria, é a própria mercadoria.”
Fetiche tem a mesma raiz de feitiço. Neste quadro, a mercadoria surge valendo por si mesma, mais grave ainda, como um fator determinante na vida da sociedade. Chega-se aqui a uma grande inversão: o homem, que devia ser o dono do seu produto, passa a ser comandado e dirigido por aquilo que consome. Desta forma, se por um lado a mercadoria se “coisifica”, o homem se “decoisifica”.
É comum em nossos dias, o comportamento de pessoas que, diante de carências afetivas, tristezas ou frustrações profissionais, saem às compras. A aquisição de mercadorias não leva a uma superação desses problemas, mas é apenas uma fuga. Esse ato de refrear um desequilíbrio a partir do consumo é um exemplo da relação que há entre modos comportamentais e a estrutura sócio-econômica.
O feitiço da mercadoria, é a “desumanização” dos indivíduos no processo de revalorização da mercadoria que submete todos a uma lógica da revalorização do próprio valor. O ser humano passa a “não ser” no sentido mais amplo do termo. A mídia moderna, principalmente via televisão, também agrava este processo, ao transformar o espectador em consumidor passivo não somente de mercadorias quanto de notícias e informações morais e ideológicas à qual, em grande parte das vezes não lhe é dado o direito de análise e/ou recusa, alienando-o. O que Herbert Marcuse classificou brilhantemente de “homem unidimensional”. Ou seja, aquele que pensa de maneira uniforme, pasteurizada, comum a todos. Em outras palavras: o “pensamento único” que está aí exposto, tornando-se um dogma dos tempos modernos.
(1) Anselm Jappe (1962) é um filósofo e ensaísta nascido na Alemanha, que vive atualmente na França. Além de inúmeros artigos em revistas alemãs, recentemente publicou o livro “As Aventuras da Mercadoria” (Editora Antígona – Lisboa).
“Chegou, enfim, um tempo em que tudo o que os seres humanos haviam considerado inalienável tornou-se objeto de troca, de tráfico e pode alienar-se. É o tempo em que as coisas mesmas, que até então eram comunicadas, mas nunca trocadas; dadas, mas nunca vendidas; conquistadas, mas nunca compradas – virtude, amor, opinião, ciência, consciência etc – em que tudo, enfim, passou para o comércio. É o tempo da corrupção geral, da venalidade universal ou, para falar em termos de economia política, o tempo em que qualquer coisa, moral ou física, tendo-se tornado valor venal, é levada ao mercado para ser apreciada por seu valor adequado”
Quando Marx escreveu o texto acima sobre o Fetiche da Mercadoria no livro “Miséria da Filosofia”, ainda não existia uma sociedade de consumo. Os valores eram outros. Mas, nunca como hoje o termo se justifica e pontua tanto a realidade social por que passamos. A frieza do “ser” e do “não ser” em nossa sociedade passa a ser mais sério quando o indivíduo é considerado pelo que “possui”, e não pelo que “é” na realidade. Pouco importa o seu saber, as suas idéias, a sua riqueza interior. Importa, sim a posse de mercadorias que o fazem “importante”. O neo-liberalismo só veio agravar e acentuar esta realidade. Segundo o pensador Anselm Jappe (1): “Na sociedade fetichista não pode existir verdadeiramente um sujeito, porque o sujeito, na sociedade da mercadoria, é a própria mercadoria.”
Fetiche tem a mesma raiz de feitiço. Neste quadro, a mercadoria surge valendo por si mesma, mais grave ainda, como um fator determinante na vida da sociedade. Chega-se aqui a uma grande inversão: o homem, que devia ser o dono do seu produto, passa a ser comandado e dirigido por aquilo que consome. Desta forma, se por um lado a mercadoria se “coisifica”, o homem se “decoisifica”.
É comum em nossos dias, o comportamento de pessoas que, diante de carências afetivas, tristezas ou frustrações profissionais, saem às compras. A aquisição de mercadorias não leva a uma superação desses problemas, mas é apenas uma fuga. Esse ato de refrear um desequilíbrio a partir do consumo é um exemplo da relação que há entre modos comportamentais e a estrutura sócio-econômica.
O feitiço da mercadoria, é a “desumanização” dos indivíduos no processo de revalorização da mercadoria que submete todos a uma lógica da revalorização do próprio valor. O ser humano passa a “não ser” no sentido mais amplo do termo. A mídia moderna, principalmente via televisão, também agrava este processo, ao transformar o espectador em consumidor passivo não somente de mercadorias quanto de notícias e informações morais e ideológicas à qual, em grande parte das vezes não lhe é dado o direito de análise e/ou recusa, alienando-o. O que Herbert Marcuse classificou brilhantemente de “homem unidimensional”. Ou seja, aquele que pensa de maneira uniforme, pasteurizada, comum a todos. Em outras palavras: o “pensamento único” que está aí exposto, tornando-se um dogma dos tempos modernos.
(1) Anselm Jappe (1962) é um filósofo e ensaísta nascido na Alemanha, que vive atualmente na França. Além de inúmeros artigos em revistas alemãs, recentemente publicou o livro “As Aventuras da Mercadoria” (Editora Antígona – Lisboa).
8 comentários:
Uma bela surpresa tive ontem ao ler o NovasPensatas, meus especiais agardecimentos, ô Jonga, fiquei enrubescida.
Sobre Marx, considero-o de uma atualidade a toda prova. Os neo-marxistas reintrepretam seu pensamento, mantém-se, porém, certas premissas básicas, a exemplo de suas reflexões sobre o fetiche da mercadoria, objeto apropriado desta Pensatas.
Nos últimos tempos, agrada-me os trabalhos do Zygman Bauman, sociólogo polonês, que aponta para o processo de individualização a que estamos imersos cada vez mais na sociedade moderna.
Mas quem tem me feito boas horas de lazer produtivo é o Saramago, além de nos brindar mostrando a cegueira branca da nossa miopia coletiva, nos trouxe neste fim de ano um elefante que é deus e que tem uma filosofia: se não pode ser, não pode ser ( conferir a página 52).
No tocante à postagem anterior (sobre o seu livro), você merece a homenagem pela sua publicação. Achei uma solução muito boa, e, como toda grande idéia, simples.
Não conheço nada de Zygman Bauman. Li algo sobre ele, pois a Jorge Zahar publicou um livro seu, creio que "Modernidade e ambivalência", que estive para comprar e não o fiz.
Você me estimulou para efetuar a aquisição desta obra, pois tenho interesse em autores Materialistas Históricos modernos e livres da "ideologia oficial" instituída pela "momenklatura soviética ", e que tanto prejudicou o pensamento de Marx.
Quanto a Saramago, ele é brilhante. Apesar de vir dos quadros do “partidão” português, e, portanto apto a ter todos os vícios da citada “ideologia oficial”, tem-se mostrado um pensador que assimilou muito da Práxis no seu sentido mais significativo.
Marx ainda é atual.
Sua análise do capitalismo perdura até hoje, apesar de a sociedade ter mudado tanto neste mais de um século que se desdobrou.
Mas a essência de tudo, a partir da acumulação do capital e do pensamento individualista burguês não se modificaram, mas apenas se agravaram.
Marx esteve longe de alcançar esta 'sociedade de consumo' tal e qual hoje conhecemos.
Mas a sua visão de economia e de comportamento eram de tal profundidade que ele (profeticamente) chegou a ter lampejos de como viria a ser...
Graças a leitura deste blog fiquei conhecendo alguma coisa a mais de Marx e de outros marxistas.
Fico feliz com isso.
Segundo (o citado por você) Anselm Jappe "na sociedade fetichista não pode existir verdadeiramente um sujeito porque o sujeito é a própria mercadoria".
Por isso acho que o seu título tem tudo a ver com um duplo sentido entre a posse e a não posse e paralelamente entre o existir e o não existir. Eis a questão.
Acho que você foi no cerne da questão...
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