Esta pensata foi postada no carnaval do ano passado. Ao reler, notei o quanto ainda vale recordar já que o outro blogue não existe mais.
Pode parecer papo de “velho saudosista”. Mas não apenas parece, como é saudosismo mesmo. O saudosismo de quem conheceu um carnaval que era verdadeiramente uma manifestação popular. Ou pelo menos, na sua simplicidade, mais autêntico. Por acaso testemunhei e vivi a festa, tanto aqui no Rio quanto na Bahia, dois pontos de referência do carnaval.
No Rio de Janeiro, escolas de samba desfilavam na avenida Rio Branco. As poucas arquibancadas ficavam na Cinelândia, e o povo assistia em pé ao longo da avenida. Avenida mesmo, como é chamado até hoje o “Sambódromo”. Anos depois o desfile passou para a Presidente Vargas. Já mais sofisticado, tinha várias arquibancadas, montadas e desmontadas todos os anos. O carnaval de rua existia mesmo. E também se concentrava em grande parte na mesma Cinelândia, estendendo-se pelas avenidas, ruas transversais, praças. Blocos invadiam esses logradouros contagiando e enchendo o povo de alegria. Os “Clóvis” (1) também se espalhavam pela cidade.
E na Bahia? O carnaval em Salvador era totalmente diferente daquele que assistimos hoje. Os trios elétricos, como diz o nome, eram trios de fato. Circulavam em pequenos caminhões e o povo – como diz a música de Caetano – corria atrás. Fiz muito isto nos carnavais que passei naquela cidade. Afinal, “...só não vai quem já morreu”. Além do mais saíamos de “careta” e mortalha, brincando com as pessoas conhecidas, falseando a voz para não sermos identificados. E havia também o curioso hábito das famílias levarem cadeiras para a avenida Sete. Sim, cadeiras da própria casa que ali eram dispostas para que os privilegiados apreciassem o desfile dos foliões, numa antevisão do que viriam a ser os camarotes. Coisas de um Brasil provinciano? Talvez. Certamente de um país bem mais ingênuo.
Falando assim, parece que o carnaval de então era pobre frente ao que vemos em nossos dias. Aquele carnaval que vivíamos realmente difere muito deste que aí está. O cerne da questão encontra-se no fato de que o evento tornou-se uma festa elitizada, principalmente ao perder algumas características de sua essência popular. Justiça seja feita, as escolas de samba tornaram-se um show grandioso, rico e majestoso, uma verdadeira atração internacional. E o povo? Onde ficou o povo? Este foi marginalizado. Não totalmente, porque seria impossível uma festa popular sem a sua participação (2). No entanto, hoje, para se assistir a um desfile das “milionárias” escolas de samba, tem-se que pagar a peso de ouro por um lugarzinho qualquer. Isso ao lado da exuberância exclusivista dos camarotes e o exibicionismo dos “famosos”. O marketing dominou a linguagem do carnaval com pesadas verbas publicitárias (que o financiam), transformando os desfiles em um canal de divulgação e venda de suas marcas. Aquela de ir para a avenida e ver, participar, ficou no passado. O espetáculo até ganhou em luxo e glamour, mas, por outro lado pasterizou-se em escala industrial.
Em Salvador o carnaval virou “axé”. As músicas são todas iguais e seus intérpretes têm, sem exceção as mesmas vozes, um gingado absolutamente igual. Da mesma maneira passou a ser uma festa estandartizada onde os foliões – embora aos milhares, numa das maiores concentrações de massa do mundo – são passivamente comandados por “trios”(?) elétricos gigantescos e barulhentos em sua forma monstruosa, amplificada, e também industrializada. Ali, grandes e luxuosos camarotes exibem o desfile esnobe e vazio de “celebridades” em busca de promoção na mídia.
Muitos dos que não presenciaram aqueles tempos, dificilmente vão entender um ponto de vista que defende o carnaval como uma festa feita pelo povo, para o povo. Irão até interpretá-lo como um posicionamento “reacionário” de quem não acompanhou as mudanças geradas com o passar de algumas décadas em que o país saiu da estrutura semi-feudal dominada pela oligarquia do campo e ancorada pelas classes médias tradicionais (formadas basicamente por funcionários públicos) para uma sociedade urbana e capitalista, com estratos sociais muito diversificados, onde sofisticados mecanismos ocuparam um lugar de destaque nas transações comerciais e humanas. De qualquer maneira continuo defendendo a tese que do carnaval restaram mesmo as cinzas. Saudosismos...
(1) Os “Clóvis” eram (ou são) mascarados que saiam pelas ruas a brincar com as pessoas. Surgiram nos subúrbios cariocas e o nome vem do inglês clown (palhaço).
(2) A questão central é que hoje, a participação popular é menos espontânea. Por um lado existem muitas dificuldades de acesso, por outro a opinião é manipulada pela grande mídia e os interesses dos grupos econômicos. Abro uma exceção para algumas bandas e blocos, que, de certa forma, ainda representam um tipo de expressão popular. Bandas invadem hoje as ruas em diversos bairros do Rio. E fenômenos como os que aconteciam na rua Miguel Lemos espalharam-se por toda a cidade. A famosa banda de Ipanema é um exemplo. Os blocos, alguns antigos – como o Bola Preta – também exibem a força do carnaval de rua em manifestações de fato populares em que o povo manifesta-se de forma original.
Pode parecer papo de “velho saudosista”. Mas não apenas parece, como é saudosismo mesmo. O saudosismo de quem conheceu um carnaval que era verdadeiramente uma manifestação popular. Ou pelo menos, na sua simplicidade, mais autêntico. Por acaso testemunhei e vivi a festa, tanto aqui no Rio quanto na Bahia, dois pontos de referência do carnaval.
No Rio de Janeiro, escolas de samba desfilavam na avenida Rio Branco. As poucas arquibancadas ficavam na Cinelândia, e o povo assistia em pé ao longo da avenida. Avenida mesmo, como é chamado até hoje o “Sambódromo”. Anos depois o desfile passou para a Presidente Vargas. Já mais sofisticado, tinha várias arquibancadas, montadas e desmontadas todos os anos. O carnaval de rua existia mesmo. E também se concentrava em grande parte na mesma Cinelândia, estendendo-se pelas avenidas, ruas transversais, praças. Blocos invadiam esses logradouros contagiando e enchendo o povo de alegria. Os “Clóvis” (1) também se espalhavam pela cidade.
E na Bahia? O carnaval em Salvador era totalmente diferente daquele que assistimos hoje. Os trios elétricos, como diz o nome, eram trios de fato. Circulavam em pequenos caminhões e o povo – como diz a música de Caetano – corria atrás. Fiz muito isto nos carnavais que passei naquela cidade. Afinal, “...só não vai quem já morreu”. Além do mais saíamos de “careta” e mortalha, brincando com as pessoas conhecidas, falseando a voz para não sermos identificados. E havia também o curioso hábito das famílias levarem cadeiras para a avenida Sete. Sim, cadeiras da própria casa que ali eram dispostas para que os privilegiados apreciassem o desfile dos foliões, numa antevisão do que viriam a ser os camarotes. Coisas de um Brasil provinciano? Talvez. Certamente de um país bem mais ingênuo.
Falando assim, parece que o carnaval de então era pobre frente ao que vemos em nossos dias. Aquele carnaval que vivíamos realmente difere muito deste que aí está. O cerne da questão encontra-se no fato de que o evento tornou-se uma festa elitizada, principalmente ao perder algumas características de sua essência popular. Justiça seja feita, as escolas de samba tornaram-se um show grandioso, rico e majestoso, uma verdadeira atração internacional. E o povo? Onde ficou o povo? Este foi marginalizado. Não totalmente, porque seria impossível uma festa popular sem a sua participação (2). No entanto, hoje, para se assistir a um desfile das “milionárias” escolas de samba, tem-se que pagar a peso de ouro por um lugarzinho qualquer. Isso ao lado da exuberância exclusivista dos camarotes e o exibicionismo dos “famosos”. O marketing dominou a linguagem do carnaval com pesadas verbas publicitárias (que o financiam), transformando os desfiles em um canal de divulgação e venda de suas marcas. Aquela de ir para a avenida e ver, participar, ficou no passado. O espetáculo até ganhou em luxo e glamour, mas, por outro lado pasterizou-se em escala industrial.
Em Salvador o carnaval virou “axé”. As músicas são todas iguais e seus intérpretes têm, sem exceção as mesmas vozes, um gingado absolutamente igual. Da mesma maneira passou a ser uma festa estandartizada onde os foliões – embora aos milhares, numa das maiores concentrações de massa do mundo – são passivamente comandados por “trios”(?) elétricos gigantescos e barulhentos em sua forma monstruosa, amplificada, e também industrializada. Ali, grandes e luxuosos camarotes exibem o desfile esnobe e vazio de “celebridades” em busca de promoção na mídia.
Muitos dos que não presenciaram aqueles tempos, dificilmente vão entender um ponto de vista que defende o carnaval como uma festa feita pelo povo, para o povo. Irão até interpretá-lo como um posicionamento “reacionário” de quem não acompanhou as mudanças geradas com o passar de algumas décadas em que o país saiu da estrutura semi-feudal dominada pela oligarquia do campo e ancorada pelas classes médias tradicionais (formadas basicamente por funcionários públicos) para uma sociedade urbana e capitalista, com estratos sociais muito diversificados, onde sofisticados mecanismos ocuparam um lugar de destaque nas transações comerciais e humanas. De qualquer maneira continuo defendendo a tese que do carnaval restaram mesmo as cinzas. Saudosismos...
(1) Os “Clóvis” eram (ou são) mascarados que saiam pelas ruas a brincar com as pessoas. Surgiram nos subúrbios cariocas e o nome vem do inglês clown (palhaço).
(2) A questão central é que hoje, a participação popular é menos espontânea. Por um lado existem muitas dificuldades de acesso, por outro a opinião é manipulada pela grande mídia e os interesses dos grupos econômicos. Abro uma exceção para algumas bandas e blocos, que, de certa forma, ainda representam um tipo de expressão popular. Bandas invadem hoje as ruas em diversos bairros do Rio. E fenômenos como os que aconteciam na rua Miguel Lemos espalharam-se por toda a cidade. A famosa banda de Ipanema é um exemplo. Os blocos, alguns antigos – como o Bola Preta – também exibem a força do carnaval de rua em manifestações de fato populares em que o povo manifesta-se de forma original.
8 comentários:
O Carnaval atual na Bahia reflete bem uma tradição escravocrata bem típica do Recôncavo. Os espaços nobres são loteados em função dos blocos e camarotes cujos acessos são proibitivos para a classe média. O povo, coitado, este foi excluído completamente do Carnaval. O povo cata as latinhas de cervejas e refrigerantes e procura vender em caixas de isopor, o povo virou 'cordeiro', uma espécie de escravo moderno contratado para segurar as cordas dos blocos de luxo e tomar boas porradas.
Já tinha ouvido falar nos Clovis. Achei muito boa esta sua postagem e podemos ver como mudou o carnaval com o passar do tempo.
Pena que eu não o conheci naquela época.
Quarta-feira de Cinzas e ainda tem o Arrastão na Barra.
Para os folioes uma festa da alegria, para os empresários uma festa do lucro, para os cordeiros uma festa de trabalho escravo. Carnaval como industrialização de uma festa popular ganha contornos e resquícios das tradições escravocratas. Quem diz é o jornalista, professor da UFBA, pesquisador-visitante na Universidade Livre de Berlim (Alemanha), Fernando Conceição.
E o carnaval da avenida passou. Saudades do carnaval do tapete branco da paz!
É isso mesmo André. O pior é que o povo foi excluído, enquanto continuam a apregoar que o carnaval é a festa dele.
Clóvis existem até hoje. Mas são menos presentes. E bem menos autênticos.
E o professor Fernando Conceição tem toda razão...
Tuas postagens têem sido poucas mas pelo menos interessantes.
Esta é uma que faz uma radiografia e comparação da "festa popular" de outros tempos e dos dias de hoje.
Tenho postado pouco de fato, Ieda.
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