Comecei a
fumar cachimbo na Bahia em 1966. Ganhara dois cachimbos de um primo. Um era da
marca Compass do tipo Apple, que eu tenho até hoje, passados 48
anos. O outro, também inglês, era do tipo billiard estampado com a
famosa grife Dunhill. Um cachimbo excelente, que, infelizmente, e apesar
do “sangue azul”, o tempo acabou por destruir.
O certo é
que, naquela época, comecei a achar que jovem fumando cachimbo era meio
pedante, pensamento agravado pelo fato de que havia o Gabriel, um conhecido do
tipo que fazia uma puta duma pose para fuma-lo (1). Tambem achava que precisava
haver uns cabelinhos brancos para justificar o hábito. Deixei de fumá-los, mas,
guardei as preciosidades.
Em 1981 a
minha pressão foi parar nas alturas. Bom, na ocasião eu fumava uns sessenta
cigarros por dia, quase que acendia um no outro. Se acordasse no meio da noite,
a primeira coisa que fazia era, ainda sonolento, esticar o braço, tateando em
direção à mesa de cabeceira, colocar um cigarro na boca, e, mecanicamente,
acende-lo quase sem sentir.
O médico,
então, me aconselhou a deixar o vício, sob pena de piorar mais ainda, ou até
morrer. Fiquei impressionadíssimo, e me lembro perfeitamente que quando saí do consultório,
joguei a carteira de cigarros na primeira lixeira que encontrei. A decisão foi assim,
súbita e radical, mas resolví mantê-la a qualquer custo. Inicialmente, comecei
a comprar balas em quantidade. Recordo que entrava na Kopenhagen e saía
com sacos e mais sacos das guloseimas. Comecei a ficar com medo de virar um elefante,
pois se já era um tanto quanto gordinho, chupando balas daquele jeito, sabe-se
lá onde ia parar?
Um belo dia lembrei-me
das “velhas” pipas (2). Mas onde
estavam? Ao chegar em casa, perguntei a minha mulher se os havia visto. Ela
disse que nosso filho (então com uns quatro anos) os guardava numa caixa de
brinquedos velhos. Gelei! Puz-me rapidamente a vasculhar a caixa à cata das
preciosas peças. E depois de muito revirar o enorme depósito, os encontrei (inteiros)
entre Playmobis e Legos esfacelados. O que me deixou numa
felicidade indescritível.
E limpá-los?
Como, se não tinha nada em casa para fazê-lo? Já era noite. Mas mesmo assim
desci, peguei o carro e sai à procura de um lugar para comprar tabacos e
apetrechos indispensáveis. Recordava-me de dois locais onde os poderia
encontrar àquela hora: o Mercadinho Azul
em Copacabana, e o Lamas no Flamengo.
Achei que a segunda opção seria melhor para estacionar e me mandei para lá.
Na tabacaria,
bem na entrada do boêmio e famoso restaurante, comprei um pacotinho de Bulldog,
um de Tilbury e outro de Irlandês
(3). Procurei um importado, tipo Prince Albert, London Dock ou Half
& Half, mas, infelizmente não havia nenhum. Acrescentei um limpador de
metal e uma embalagem daquelas de limpadores descartáveis de algodão, o que
completaram a minha aquisição. Chegando em casa, limpei os dois cachimbos com
uma expectativa e dedicação imensas. Depois, era somente acender e fumar. Importante:
sem tragar. Eu sabia que nas primeiras vezes isto iria ser difícil, mas logo a
gente se acostuma, pensava com meus botões.
O importante
é que, após um banho curtido, vesti o roupão, refastelando-me com todo o conforto
na melhor poltrona na sala, à meia luz... Afinal, com trinta e seis anos, principalmente
com alguns esperados –e ainda poucos– fios de cabelos brancos, eu pude me
entregar às baforadas de um delicioso billiard, fabricado pela famosa Dunhill.
1 Anos depois, por coincidência, um colega, Diretor de Arte
espanhol, chamado Manolo Rodriguez, escreveu um livro chamado: “Como fumar
cachimbo sem fazer pose”.
2 “Pipa” é cachimbo em espanhol e italiano. Em France é “pipe”. Em
inglês é “pipe” (pronuncia-se paipe). Ah essa língua portuguesa!
3 Bulldog e Tilbury, antigas marcas da Inducondor de Petrópolis
eram então fabricados pela Souza Cruz, e Irlandês era, e ainda o é pela Wilder
Finamore.
10 comentários:
Boas cachimbadas..
Que historinha bem contada. Você é um verdadeiro escritor!
Tavim
Ainda acho charmoso até hoje!
Gosto muito do "Billiard" citado por você, mas o "Canadian" é muito bacana porque tem a piteira de plástico bem pequena e uma longa de madeira.
Tambem gostei... demais da conta.
Viriato
O cachimbo, opostamente ao cigarro é relaxante e propício a leituras e papos em dias chuvosos a beira a uma lareira.
O pai costumava fazer isso lá pelas bandas do Guaíba....
L.P.
Uai... Bah... Obrigado ao mineiro e ao gaúcho... Pela presença e pelos elogios, claro!
Sou leitor desse seu Blog e gosto muito dele, Como fumo cachimbo faço questão de deixar aqui um abraço..
José Carlos
"Ontem" porque toca sobre a história milenar e sobre o influxo que teve na vida privada ao curso dos séculos, "Hoje" porque enfatiza a vitalidade da arte do cachimbo, os problemas que o fumador enfrenta relacionados com as campanhas antitabagistas, "Amanhã" porque a cultura do cachimbo não será cancelada. Escrever um livro sobre o cachimbo numa época de campanhas contra o fumo poderia parecer coisa muito atrevida aos não-fumantes, mas este livro é para os fumantes inveterados de cigarro, aqueles que não conseguem ou não querem parar de fumar, para aqueles que já fumam cachimbo e, enfim, para quem, também não sendo fumante, quer documentar-se sobre o cachimbo e suas relações com a vida privada e a história. Este livro não pretende incentivar o fumo: quem não fuma é melhor que continue não fumando, porque não existe uma maneira de fumar que possa ser considerada sadia, e tanto o cigarro quanto o charuto e o cachimbo têm conseqüências prejudiciais para nosso corpo. Mas, ao mesmo tempo, o cachimbo é menos perigoso que o charuto e o cigarro e pode representar uma alternativa para os grandes fumantes, para ajudá-los a deixar o cigarro.
Quem não gosta de fumar, mas apreciaria conhecer mais sobre o mundo dos apaixonados por cachimbo, poderá encontrar alguma resposta útil a suas curiosidades e apreciar um nicho cultural desconhecido: a cultura do cachimbo nas Américas é milenar, ligada à espiritualidade e às religiões.
Ferdinando Lombardo
Sobre o livro: ˜Cachimco. Ontem, Hoje e Amanhã˜
Caro Ferdinando Lombardo, vou procurar o seu livro ˜Cachimco. Ontem, Hoje e Amanhã".
Até porque tenho aqui um livreco fracote sobre cachimbo.
Entretanto, já tive em outros tempos um francês chamado "Traité de la Pipe" que era excelente, mas me desfiz dele quando fui morar na Europa em 1990.
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