domingo, 26 de fevereiro de 2017

Pensatas de Domingo. A volta do “carnaval de rua” no Rio de Janeiro & mais “babados” sobre a Festa de Momo

Milhões de foliões nas ruas do Rio

Algumas vezes, aqui em Novas Pensatas postei matérias sobre o esvaziamento do carnaval de rua, principalmente no Rio de Janeiro, onde havia uma tradição muito forte deste tipo de folia bastante difundida até fim dos anos 1960. Lamentava então o fato de deixar de existir um tipo de festa enraizada no povo, para ser substituída por um carnaval “para inglês ver”, um carnaval de luxo. O carnaval das Escolas de Samba no qual as massas passaram a ser apenas um show de pedras preciosas, semi preciosas, plumas, paetês e cores mil que encantava exclusivamente um público pagante (a preços exorbitantes) enquanto eram marginalizados milhares de foliões que compunham outrora um carnaval autêntico, composto de baixo para cima de uma forma de fato democrática.

Não que as Escolas de Samba não devessem existir, posto que elas também surgiram de origens populares, a maioria delas em comunidades (favelas) a defender a música e a cultura brasileiras com componentes como Jamelão, Cartola e as velhas guardas da Mangueira, da Portela, do Salgueiro e tantas outras. No entanto, lembro-me dos tempos em que este gênero carnavalesco coexistia com os Grandes Blocos, os Blocos de Sujo e os famosos Clóvis (1) a invadir as ruas do centro e de alguns bairros como Copacabana, e, principalmente dos subúrbios cariocas. É certo que alguns sobreviveram, como a Banda de Ipanema, famosa desde que Leila Diniz a imortalizou com o seu carisma e sexappeal ainda nos anos 1960 e o Cordão do Bola Preta, brilhando desde 1918.
Farra nas ruas do Rio

Mas o fato é que hoje, os Blocos voltaram com força e uma expressão maiores ainda do que em priscas eras (2). O carnaval de rua é novamente expressivo, chegando a reunir anteontem (24 de fevereiro) um milhão de pessoas no centro do Rio somente com o Cordão do Bola Preta, e, tanto na Cidade quanto nos bairros cariocas –da Zona Norte à Zona Sul–, congregando as classes sociais em fenômeno semelhante às praias em que todos se mesclam num verdadeiro e quente “delírio democrático tropical”, em que raças, gêneros e status sociais completamente distintos e até antagônicos sublimam estes antagonismos, coisa impossível de ser imaginada por povos que habitam regiões frias e/ou preconceituosas do planeta. Creio ser mesmo impossível para um nórdico, um germânico ou um anglo saxão compreender este tipo de comportamento social. Como diria Antônio da Silva Mello (3) ao negar peremptoriamente a tese equivocada de que “... o calor ou o clima quente seja um fator desfavorável à cultura e ao desenvolvimento da inteligência...”.
A paulistada cai no samba

Atualmente já podemos classificar as agremiações no Rio como os Blocos da manhã, que começam muito cedo, como o Volta Alice, Cordão do Boitatá, Céu na Terra, Corre Atrás, Bangalafumenga, o Cordão da Bola Preta e o Carmelitas. Ou os Blocos da tarde: como o Toca Raul, o Sargento Pimenta, o Aconteceu, o Barbas, o Simpatia é Quase Amor, o Azeitona sem Caroço e o Orquestra Voadora. À noite: não rolam blocos e bandas, mas na Lapa é montado um palco junto aos Arcos onde acontecem vários shows com diversos deles.

Para além disto, o carnaval de rua contaminou São Paulo de forma agigantada –porque era quase inexistente desde os anos 1940/50–, transformando aquela cidade (4) em um importante ponto de referência para a festa momesca. E é importante ressaltar neste ponto que, outras cidades como Recife, Salvador, Ubá, Olinda, Cataguases etc., onde o carnaval de rua sempre foi mais presente, nunca perderam esta sua característica.

1. Os “Clóvis” eram mascarados que saiam fantasiados de palhaços, e sua denominação é uma corruptela de “clows”, palhaços em inglês.

2. Cravo a expressão “priscas eras” em homenagem ao meu saudoso e querido primo e amigo André Olivieri Setaro, que amava utilizá-la!

3. Juiz-forano nato, formou-se médico no ano de 1914 em Berlim, Alemanha, exerceu clínica na Suíça e no Rio de Janeiro, onde foi professor na Universidade Federal, tido pelo seu amigo e poeta Carlos Drummond de Andrade como a "imagem da sabedoria". O doutor Antônio da Silva Mello escreveu dezenas de livros notáveis, versando assuntos os mais variados, a exemplo das peculiaridades do Nordeste, da condição social do negro, da "filosofia do parto", da alimentação, da psicanálise, da superstição, da religião, da geografia dos trópicos, destacando-se entre outros, “A Superioridade do Homem Tropical” (1967).

4. Neste ano de 2017, agremiações paulistas também reuniram multidões próximas a um milhão de pessoas, como o caso da Banda do Baixo Augusta, no dia 23 de fevereiro.


Um comentário:

joelma disse...

Os blocos produziram uma virada na festa em praticamente todo o Brasil, trouxeram uma renovação e muito mais alegria. Espontaneamente, os foliões se mobilizaram para brincar o carnaval. Os blocos passaram a incorporar milhões de pessoas, unidas por um desejo de desfrutar a vida, de vivenciar a liberdade que a festa propicia. Assim, o carnaval acompanha a tendência da cidadania de uma maior ocupação do espaço urbano e de participação.
O carnaval sempre foi espaço de manifestações políticas, de crítica social, e hoje se tornou cenário de resistência contra a homofobia, o racismo, a intolerância, e onde o feminismo vem marcando presença cada vez mais forte.
Os blocos tomaram conta dos espaços públicos de norte a sul do país, numa dimensão nunca vista e com uma visibilidade espantosa. A festa ocupou as ruas, redesenhando o território. Belo Horizonte e Brasília que o digam. A cada ano evoluem. Em Salvador, o espaço do folião “pipoca”. De Recife, o melhor carnaval participação, não se fala, é por excelência o melhor exemplo do carnaval porque através de um planejamento exemplar, a cidade nunca permitiu que as ruas fossem privatizadas por meio das "cordas" e nunca secundarizou o folião em seu carnaval de rua.
Em todo o Brasil vem se processando uma significativa mudança de postura do cidadão em relação a sua cidade. O carnaval faz parte desse processo. Multidões se mobilizaram em busca de um “carnaval participação”, de um território livre para a alegria, a invenção e a criatividade. Cidades sem tradição carnavalesca, ou que há muito pareciam tê-la perdido, como São Paulo, surgem ou ressurgem com uma alegria e uma sociabilidade impares.