sábado, 13 de dezembro de 2008

Estado e religião na América Ibérica

Já há algum tempo venho pesquisando para postar uma matéria sobre religiões na América Ibérica, tendo em vista o inegável avanço das doutrinas protestantes (hoje evangélicas) frente à famigerada “Santa Madre Igreja”. Publico hoje uma primeira conclusão e/ou introdução ao tema.

A nossa América, aquela ao sul do Rio Bravo “nasceu” católica. Isto porque os primeiros exploradores espanhóis e portugueses aqui chegaram com o intuito não somente de conquistar economicamente terras e riquezas naturais, mas, também, de ver concretizado o sonho “salvacionista cristão” de encontrar o paraíso terrestre (Jardim do Éden). A expansão ibérica significou também a expansão do “cristianismo católico”, com a conseqüente ausência ou limitação da liberdade religiosa na região. Ao longo do tempo, porém, a situação foi mudando e hoje nota-se uma heterogeneidade de posicionamentos, principalmente no tocante às relações oficiais entre a Igreja e o Estado.
A Venezuela, é proporcionalmente o país mais católico da América (1), com 96% dos seus habitantes fiéis a essa religião. Em seguida, aparecem Bolívia e República Dominicana, com 95% de católicos, Equador, com 94%, Argentina, com 92% e Paraguai com 90% de identificações católicas cada um. Entre 80% e 90% figuram Chile com 89%, Peru e México, com 88%, Panamá, com 85%, El Salvador, com 83%, Colômbia, com 81,7% e Haiti, com 80%.
Reitero que a análise se circunscreve ao âmbito legal, mediante os dispositivos constitucionais vigentes nos países da América Latina acerca das relações entre Estado e religião. Nesse sentido, a análise da Carta Magna de 20 países mostra uma diversidade de situações, configurada em três distintos posicionamentos: aqueles que adotam o regime de Igreja de Estado, os que adotam o regime de separação Igreja e Estado, com dispositivos particulares em relação à Igreja católica, e enfim, aqueles que mantêm um regime de separação Estado-Igreja com a conseqüente igualdade de cultos. Vejamos, agora, mais detalhadamente cada um desses modelos de organização das relações Igreja-Estado na América Latina.
Três são os países em que o regime de Igrejas de Estado vigoram: Argentina, Bolívia e Costa Rica.
A título comparativo com a Europa, vale assinalar que naquele continente há quatro países que mantêm o regime de Igrejas de Estado. É o caso da Inglaterra, onde desde o século XVI o anglicanismo é considerada a Igreja do Estado; a Grécia, em cujo preâmbulo da constituição consta que a Igreja ortodoxa, que reúne mais de 90% da população, é tida como a religião de Estado; a Finlândia, que reconhece oficialmente duas Igrejas de Estado (a Igreja ortodoxa e o protestantismo luterano) e a Dinamarca, que também atribui, em sua Constituição, à Igreja protestante luterana o status de Igreja de Estado.
No século XIX o protestantismo despertou de sua inatividade e deu início a uma intensa obra missionária na América (Latina), com a implantação de muitas denominações nessa época. A entrada do protestantes neste pedaço da América dependeu de pressões econômicas aplicadas externamente pela Inglaterra e Estados Unidos, e também de pressões ideológicas liberais e anti-clericais internas. O protestantismo teve um início audacioso com a chegada do educador James (Diego) Thompson em 1819 na Argentina e com a concessão da liberdade de culto aos estrangeiros no Brasil em 1823. O crescimento foi demorado e a resistência Católica foi grande durante todo o século XIX. Somente no século XX, a partir da 2ª Guerra Mundial o protestantismo veio a ter influência e começou a ccolher o que foi semeado no século anterior.
A penetração do protestantismo na América Latina no século XIX faz parte do que Latourette chamou de “O Grande Século do Avanço Missionário”, e ao qual ele dedicou três dos sete volumes de sua obra. A Expansion of history of the Christianity (Uma História da Expansão do Cristianismo).
O protestantismo implantado dava mais ênfase a doutrina e ao compromisso pessoal do indivíduo. Embora todo tipo de protestantismo tenha buscado estabelecer seu espaço. Os que colocaram maior ênfase na evangelização, juntamente com o compromisso pessoal de mudança do comportamento, cresceram mais rapidamente.
As denominações que começaram seu trabalho na América Latina foram os Anglicanos, Luteranos, Irmãos (Plymouth), Congregacionais, Presbiterianos, Metodistas, Batistas, Menonitas e Adventistas (Sétimo Dia). As missões anglicana e luterana trabalharam quase exclusivamente com os emigrantes que determinaram tanto a forma cultural quanto a extensão do alcance dessas denominações. As demais trabalharam com os nativos em sua própria linguagem e cultura, embora quase sempre houvesse uma imposição inconsciente do lastro cultural e expectativas do missionário.
O Catolicismo Romano não foi muito simpático com o avanço protestante. Com exceção da primeira metade do século XIX, quando houve relativa aceitação dos missionários principalmente no Brasil, no mais havia muita intolerância e perseguição. Os protestantes encontraram aliados e até protetores entre alguns setores políticos, o que provocou reação ainda mais forte entre o clero católico. Principalmente no Brasil, onde a hierarquia do clero temia pela protestanização do país através e principalmente pela imigração. Como resultado desses conflitos, o protestantismo da América Ibérica assumiu um perfil anti-católico.
Outro fato significativo na história dos primórdios do protestantismo ibero-americano, foi que a evangelização teve início associada à venda de Bíblias e a alfabetização de novos convertidos. As pessoas se convertiam, compravam Bíblias e como não sabiam ler ou escrever, se dedicaram a alfabetização para se dedicarem à leitura das Escrituras. Estas características no seio do protestantismo era tão forte que os crentes passaram a ser chamados de os “Bíblias”. A venda de Bíblias pelos que anunciam a Palavra ainda é comum em nossos dias, porque as Bíblias continuam sendo vendidas em todo o território nacional, principalmente pelos evangelistas que as comercializam para a sua sobrevivência e a de seus familiares, bem como para financiar as viagens e outras despesas, sendo uma forma de manter a evangelização viva e atuante.

(1) Dados extraídos de L. Gonzalez, Justo, “Uma História Ilustrada do Cristianismo, Sociedade Religiosa” Edições Vida Nova, São Paulo – SP, 1991. E. Cairrns, Earle, “O Cristianismo Através dos Séculos, Sociedade Religiosa” Edições Vida Nova, São Paulo – SP, 1992. Walker, Williston, “História da Igreja Cristã”, Juerpe/Aste, 3ª Edição, 1981.

10 comentários:

Ieda Schimidt disse...

Fui educada em família Luterana. Hoje, felizmente, marxista, estou longe do mito e da mistica religiosas. Como diria Marx, o ópio do povo.
O teu trabalho é interessante sendo que pouco tem sido feito de sério nesta país em bisca de conclusões sobre o que vem acontecendo com a religiosidade no Brasil.

André Setaro disse...

O fato é que aprendi com esta 'pensata' sobre as relações perigosas entre a Igreja e o Estado. Entre uma cachimbada e outra, você está a desenvolver um blog versátil no qual comenta assuntos dos mais variados. Vá em frente porque atrás vem gente!

Jonga Olivieri disse...

O que não é de estranhar, Fraulien (ou será Frau?) Schimidt.
Mas o Materialismo Histórico nos proporciona um novo horizonte. principalmente no tocante a esta praga chamada religião.
Essa pesquisa, tem algum tempo, está embasada em boas referências, procuradas a dedo. mas mesmo assim é difícil chegar a um final "feliz".
Religião é sinônimo de infelicidade, de mutilação, de humilhação do ser humano em sua toatalidade.
Pena que não possa ser excluida por decreto, mas, sem dúvida o mundo será melhor no dia em que "o último dos Cardeais for enforcacado nas tripas do último dos reis" (Diderot).

Jonga Olivieri disse...

Igreja e Estado t~em que ser elementos completamente separados. Graças aos deuses estamos cada dia mais a avançar neste sentido.
Mas, Igreja Romana e Estado Latino é ainda pior. Resultou em sangue... suor e lágriams... muitas lágrimas. Muita Inquisição: o pior dos Holocaustos!

André Setaro disse...

Veja "Sombras de Goya", de Milos ("Um estranho no ninho") Forman, para ter uma idéia do Terror (sim, com T maiúsculo mesmo) praticado pela Igreja Católica na famigerada Inquisição. Quando estive em Santiago, Chile, vi, pela televisão, em horário nobre, uma interrupção na programação para que o Cardeal de lá falasse por dez minutos. O chileno respeita muito a Igreja. No Brasil, "graças a Deus", já não se liga muito. Quando poderíamos ver um Cardeal a tomar minutos preciosos de um horário nobre? Não teria poderes para isso.

Jonga Olivieri disse...

Mas já houve uma outra época... quando eu era criança, a tal da "sexta-feira da paixão" era um dia deprimente.
As rádios não tocavam músicas comuns, mas somente fúnebres. Se alguém falasse alto era reprimido.
Pôrra, o quê que eu tenho a ver com a morte de Cristo se ele não é o meu deus?
Mas não importava... todos tinham que seguir aquelas regras...

Anônimo disse...

Estudos como este tem que ser estimulados porque nos esclarecem em relação ao assunto.

Jonga Olivieri disse...

Obrigado.
Pretendo aprofundá-lo mais. Esta é apenas uma introdução ao assunto.

Anônimo disse...

Coisa muito séria este estudo. Continue mantendo o alto nível.
Otávio

Jonga Olivieri disse...

Pode crer, vai ser um trabalho meticuloso e, claro, demorado.