quarta-feira, 31 de março de 2010

De volta à Idade Média?

Era comum (no medievo) o “espetáculo” das execuções em praça pública. Isto numa época em que não havia diversão, fora os ocasionais espetáculos de circos itinerantes, uma decapitação ou um enforcamento atraia toda a atenção das populações dos burgos. À época da Revolução Francesa ainda era comum o comparecimento em massa à morte na guilhotina de seus antigos senhores.
O mais curioso foi assistir ao vivo a manifestações públicas quando do julgamento, e, principalmente o veredicto da condenação do casal Nardoni. Eu em casa, por força do envolvimento midiático, tambem assisti na madrugada de sábado ao tão aguardado final da sentença. Obviamente pela importância na conclusão de um dos crimes mais bárbaros acontecidos neste país em todos os tempos.
Notadamente a população ficou satisfeita com o resultado da justiça ao concluir a favor da condenação dos monstros hediondos que executaram uma indefesa criança de cinco anos com requintes de crueldade e frieza, num país em que estamos habituados à impunidade de criminosos que não sejam de uma classe muito baixa (1).
No entanto, espantou-me certas manifestações públicas, semelhantes às de alguma final de Copa do Mundo (com a vitória da Seleção Brasileira por goleada), com direito a espetáculo pirotécnico. Esta é a outra face da moeda em que se confunde justiça com vingança; vontade com manipulação dos sentimentos. E nos remete ao passado sangrento de pessoas a serem enforcadas em praça pública sob o aplauso e o prazer das multidões.
Por isto mesmo, ainda acho necessária uma análise mais profunda de como a mídia transformou este caso numa feroz disputa meramente comercial em busca do furo de reportagem e da corrida atrás da maior audiência.

(1) Esses, na maioria das vezes, culpados ou inocentes nem chegam a ser julgados.

10 comentários:

Ieda Schimidt disse...

Brilhante o teu raciocínio, guri!
Eu te juro que pensei neste aspecto da questão quando - como acho que todo o Brasil - assistia às manifestações na rua.
Pensei: "quão bárbaro é isto!", meio que estupefata pelo que assistia.
Estava certa de que a reação era motivada por incitamento por parte da grande mídia.
Afinal, culpados ou não, o povo deve ter um comportamento diferente. Não se trata de vingança, mas justiça.

Jonga Olivieri disse...

Não creio que todo o Brasil tenha pensado nisto desta forma que você pensou Ieda.
A maioria das pessoas não se importa com este lado e são manipuladas pela mídia do grande capital monopolista.

Popeye disse...

Sabes que eu não pensei nisso, mas depois de seu post, comecei a ver as possibiidades desse lado da moeda.
Acompanhei até o final o julgamento e confesso que só não soltei um foguete porque não tinha nenhum em casa.
Talvez, ainda bem!!!!!!

Jonga Olivieri disse...

Acho que a força da mídia é muito grande nos dias de hoje. Ela massacra, enfia pelo ouvido, pelos olhos.
A grande mídia faz lavagem cerebral perm,anente para a burguesia em plena vigência da Barbárie...

Stela Borges de Almeida disse...

Estou querendo localizar uma análise de Jurandir Freire Costa sobre o caso nardini, já tentei com os localizadores de navegação conhecidos e não achei, se descobrir envie-me o enderêço. A grande mídia, você assinala bem.

André Setaro disse...

Janio de Freitas, na Folha, sempre lúcido e coerente:

"AS CIRCUNSTÂNCIAS do julgamento Nardoni-Jatobá, embora não o julgamento propriamente, constituíram uma agressão aos direitos civis e aos direitos humanos que deveria servir como advertência ou, ao menos, motivo de muitas reflexões sobre suas fontes e seu significado. O que houve nas cercanias do fórum não foi só o que está considerado, a partir das raras vezes em que mereceu alguma consideração, como um descontrole emocional coletivo.
Durante cinco dias, familiares dos réus, que jamais perderam a compostura nos dois anos do seu sofrimento de inocentes, foram ferozmente assaltados por urros de "assassinos, bandidos, criminosos", e mais os palavrões de praxe.
Os advogados de defesa não se tornaram menos "assassinos, bandidos, criminosos" e, além dos palavrões de praxe, ainda "mercenários, vendidos, ladrões". A eles não foi suficiente entrarem por portões secundários: também precisaram usar um carro diferente a cada dia, para fugir à agressão física iniciada, logo em sua segunda chegada ao fórum, contra o equilíbrio profissional demonstrado pelo defensor Roberto Podval.
Tudo sob a indiferença das autoridades políticas e policiais, todas com pleno acesso às cenas, ao vivo e em vídeos, de dia e à noite, da obsessiva TV. Não importa se indiferença por ignorância do sentido tão claro do que ali se passava, em relação às leis de direitos civis do Estado democrático, tão claras, por sua vez, na Constituição e na legislação brasileiras; ou se indiferença feita de descaso e desleixo, do pior oportunismo, ou de contribuição deliberada à pressão sobre o julgamento em que a defesa questionava a eficiência policial. Em qualquer das hipóteses, o que resultou foi pressão. Física, até. Tanto que o fórum, na medida de sua possibilidade, providenciou um modo também físico de atenuar a pressão, com um gradil.
Foi admirável que a defesa não cedesse à intimidação, da qual o advogado Roberto Podval e sua coadjuvante têm a consciência, só podem tê-la, de que os seus riscos de problemas não terminaram com o julgamento. E se o gradil, que não é exemplo de resistência, cedesse à fúria quando Podval concedia uma de suas entrevistas coletivas e abertas, nada teria ocorrido que não fosse o provável e o previsível."

Jonga Olivieri disse...

Stela, você se refere ao psicanalista Jurandir Freire Costa?
Vou ver se consigo tempo para uma pesquisada amanhã, embora esteja com um dia meio complicado...
Mas tentarei.

Jonga Olivieri disse...

"O que houve nas cercanias do fórum não foi só o que está considerado, a partir das raras vezes em que mereceu alguma consideração, como um descontrole emocional coletivo"

Acho o ponto acima de um brilhantismo fora de série.
No entanto acho que as evidências e provas levam a que o "casal" tenha sido culpado de fato.

André Setaro disse...

"O que me impressionou realmente nesse julgamento do caso Nardoni foi a existência de, digamos, dois juízos.

Um se realizava lá dentro e desse eu não entendo bulhufas.

O segundo, e mais impressionante, andou pela televisão, e diz respeito ao lumpesinato que ficou na porta do tribunal, ora aplaudindo o promotor, ora agredindo o defensor, ou ainda xingando os réus etc.

Uma coisa meio circense, não há dúvida, mas muito sintomática da exasperação das pessoas e do tipo de percepção que se tem da Justiça.

Em poucas palavras: o que se pensa é que não há justiça. Ponto.

Não há como dizer que estejam muito errados, nesse particular.

Ao mesmo tempo, não era justiça que pediam, era vingança. Ou seja, aparência de justiça.

Não se tratava de julgar os réus, mas de condená-los.

O linchamento é um pouco isso. Está no "Fúria" do Fritz Lang.

À custa de instituições que não funcionam, que são cheias de desequilíbrios, à custa de exasperação, acabamos virando um povo de linchadores.

E o linchamento é a massa solta com toda irracionalidade solta.

O que significa, hoje em dia, uma massa que cultua as aparências, a epiderme, aquilo que aparece na TV.

Um que seria linchado, se pudessem: o matemático russo que resolveu a Hipótese Poincaré e nem por isso mostrou a cara, não foi receber seu milhão, mandou todo mundo plantar batata, não aceitou empregão. Esse foge ao padrão. Total."

Por Inácio Araujo

Jonga Olivieri disse...

Riquissima a contribuição de Inácio Araújo a uma análise mais profunda de tudo o que se passou no reino da ignorância e do poder de manipulação das cabeças...