quarta-feira, 14 de abril de 2010

A gaveta

Mais uma incursão minha em tentativas literárias. Este conto foi escrito em 1998.

Selma chegou com uma sacola na mão. Abriu a gaveta.
- Ih, não vai caber. Observou Sérgio olhando para ela.
Selma, como que ignorando o comentário dobrou a sacola de plástico e com maestria a ajeitou na gaveta. Fechou. Olhou para o lado na direção de Sérgio com ar de vitória e retrucou orgulhosa:
- Eu sei os limites da minha gaveta!
Risos.

Antônio chegou ao lado de Sérgio. Seu jeito era malicioso, um tanto jocoso.
- Você reparou naquela lourinha nova da contabilidade?
- Claro... respondeu Sérgio com mais malícia ainda.
- Sabe o nome dela?
- Não. Ainda não sei.
- Sislene. Vê se pode. Tão gostosa, com um nome tão escroto.
- Puta merda, ela não merecia. Mas, bem que ela, no fundo no fundo... tem um jeitinho tão suburbaninho! - Pausa - Mas que é gostosinha, ah, isso é.
Houve um breve silêncio.
- Sabe o que que eu acho? Acho que a gente tem que chamar as mulheres com o nome que a gente acha que elas devem ter. Por exemplo. Essa tal de Sislene, foi esse o nome que você falou, não foi? Acho que ela tinha que se chamar... Débora. Sim, Débora é um nome que combina com ela. Tem cara de Débora.
- Bem melhor. Ah! Débora, que bundinha linda. Que peitinhos, hummm!
- Tem alguém comendo?
- Já?... Sei lá!
- Bom, sabe como é aqui, né!? É uma comilança danada. - Sérgio aproximou-se mais de Antônio e sussurou - Sabe a secretária do Albano, aquela gostosíssima?
Antônio balançou a cabeça.
- Pois bem, sabe quem está comendo?
- Quem?
- O Alfredo.
- É mesmo. Puta que pariu! E eu que não tirava o olho dela. Achava até que ela dava bola pra mim. Ah, que filha da puta!

Sérgio estava impaciente, inquieto. O ambiente era saturado, abafado, enfumaçado. Sérgio sempre sofrera um pouco de claustrofobia. Virou-se bruscamente para Júlia:
- Aquele cara está olhando para você.
Júlia franziu a testa.
- Que é isso, Sérgio... você bebeu um pouquinho demais, vai!
- Não, Júlia, não. Eu tenho certeza que aquele crápula, aquele imbecil, aquele sei lá o quê olhou pra você, e eu vou...
- Você não vai a lugar algum, Sérgio. Olha o tamanho dele...
- Quer dizer que você já notou até o tamanho dele, né?
- Sérgio, querido, que babaquice! Sérgio, vou propor uma coisa.
- Fala...
- Vamos pedir a conta... Vamos embora.
- Vamos... Mas antes eu vou tomar satisfações com aquele cara.
- Sérgio! Tô falando sério! Deixa isso pra lá!
- Não.
Sérgio levantou-se bruscamente, meio que cambaleante. Júlia tentou segurar. Levou um safanão. Ficou estatelada na cadeira.

- Alô!... Selma, como vai. Bom, eu estou... é... ah foi terrível. Também eram três. Não deu pra começar sequer. Hum... Júlia terminou comigo, ficou puta da vida. Quê que eu posso fazer, né? Como? É, só vou trabalhar amanhã. Por enquanto estou meio quebrado. Obrigado... tá... obrigado mesmo por ter ligado.. Ok. Ah, Selma... Sabe de uma coisa... sabe mesmo? Eu não sei os limites da minha gaveta, sabe, não sei.
Risos.

8 comentários:

Ieda Schimidt disse...

Mais uma incursão não. Mais uma bela incursão tua na área literária.
Após umas tres ou quatro que te digo, A-DO-REI, guri!

Jonga Olivieri disse...

Gostei do "... Mais uma bela incursão tua na área literária" (sic).
Isto me estimula, Ieda!

André Setaro disse...

Momentos fugazes das relações humanas e das interlocuções entre pessoas que tratam de desejos e limites. Quero, no entanto, saber o telefone de Sislene.

maria disse...

É interessante como você consegue segurar uma narrativa praticqamente nos diálogos.
Adorei!

Jonga Olivieri disse...

Realmente, André, gosto de abordar as interlocuções entre as pessoas.
E o telefone da Sislene é 555-1212. Este número lembra alguma coisa?

Jonga Olivieri disse...

Lembrando, embora você deva saber mais do que eu, este número é fictício e usado como telefone de 90% dos filmes 'made in Hollywood'...

André Setaro disse...

Sislene, apesar do nome, tem um 'sex-appeal' extraordinário. Hoje menos, mais, antes, toda secretária acabava virando símbolo sexual. O cinema não perdeu o rebolado e fez alguns filmes insinuantes em relação a secretárias,a exemplo da pornochanchada brasileira "As secretárias que fazem de tudo", de Victor Lima.

Jonga Olivieri disse...

É isso mesmo, André. Secretárias ( a não ser aquela velhinha) são sempre o "objeto do desejo" da maioria dos chefes e patrões; e porque não dizer, dos coleguinhas...