Transcrito na íntegra de Controvérsia (controvérsia.com.br)
Homem, negro, com idade entre 15 e 29 anos. Essa é a descrição da principal
vítima de homicídios no país, segundo dados obtidos pela Agência Brasil no
Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. Dos
52.198 homicídios ocorridos no Brasil em 2011, 18.387 tiveram como vítimas
homens negros entre 15 e 29 anos, ou seja, 35,2% do total.
Vitor Abdala
De acordo com a cientista social Áurea Carolina
de Freitas, que integra o Fórum das Juventudes da Grande Belo Horizonte, o
fenômeno é consequência de fatores como uma polícia que não respeita os
direitos humanos e uma cultura social que não valoriza a vida do jovem negro
que mora na periferia das cidades.
“Seria preciso uma mudança radical no sistema
judiciário, nessa lógica de encarceramento em massa, de ver a juventude negra
sempre como um suspeito, que mesmo calada está errada, da prática de primeiro
atirar para depois perguntar o que a pessoa está fazendo. Recebemos muita
denúncia de pessoas que primeiro apanham, e só depois a polícia pergunta o que
está fazendo naquela hora, naquele lugar”, disse a ativista.
Segundo Felipe Freitas, da Secretaria de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) da Presidência da República,
a persistência da violência contra a juventude negra resulta tanto do processo
histórico no país, em que a população negra foi sendo empurrada para as áreas
mais pobres e vulneráveis das cidades, como do racismo que ainda persiste na
sociedade.
“Essas populações foram empurradas para as áreas
mais vulneráveis das cidades, reduzindo suas oportunidades de inclusão e
participação na vida social do país. Isso já é um racismo. Mas, além disso,
temos a persistência desse fenômeno, gerando novas desigualdades. O jovem não
consegue entrar no espaço público e ser tratado como igual. Ele é mais
facilmente capturado pelo sistema prisional. A culpa desse sujeito é mais
rapidamente presumida sem o devido processo legal”, declarou.
De acordo com a Seppir, há evidências de que a
sociedade brasileira tolera mais a morte de negros do que de brancos. Uma
pesquisa feita pela secretaria em parceria com o DataSenado, em 2012, mostrou
que, para 55,8% da população, a morte violenta de um jovem negro choca menos a
sociedade do que a morte violenta de um jovem branco.
Quando ao racismo institucional, existem casos em
que os policiais recebem instruções claras de que negros são suspeitos, como
ocorreu com uma ordem de serviço da 2ª Companhia de Polícia Militar de Campinas
(SP), que orientava policiais a abordar “especialmente indivíduos de cor parda
e negra, com idade entre 18 e 25 anos em grupos de três a cinco indivíduos”.
Quando a notícia circulou pela imprensa, no
início deste ano, a Polícia Militar de São Paulo se defendeu dizendo que o
objetivo da ordem era atender a um pedido da população local, que reclamava de
um grupo de criminosos que atuava na região e tinha, como característica, ser
composto por pretos e pardos com idades entre 18 e 25 anos.
Felipe Freitas coordena um plano do governo
federal chamado Juventude Viva, lançado no ano passado, com o objetivo de
diminuir os assassinatos de jovens negros em 132 municípios prioritários nas 27
unidades da Federação, que, juntos, concentravam 70% dos homicídios de jovens
negros em 2010.
O plano pretende articular diversas ações do
governo federal, em articulação com estados municípios e sociedade civil,
buscando transformar os territórios onde vivem essas pessoas e dar mais
oportunidades de inclusão social à juventude negra.
Entre as medidas do plano, estão sensibilizar a
opinião pública sobre a violência contra os negros, implantação de equipamentos
de cultura e lazer nas comunidades pobres, redução da letalidade policial e
combate ao racismo institucional nos órgãos governamentais.
Por enquanto, o plano só foi lançado em quatro
municípios de Alagoas, mas Freitas acredita que o Juventude Viva chegará, até o
final deste ano, a 61 municípios de seis estados (Paraíba, São Paulo, Bahia,
Espírito Santo, Rio de Janeiro, Pará e Rio Grande do Sul), além do Distrito
Federal.
Ele alerta, no entanto, que os efeitos do plano
podem demorar a aparecer nas estatísticas de homicídios. “O funcionamento de um
equipamento nas comunidades, como uma praça de esporte, cultura e lazer, por
exemplo, tem uma dimensão imediata. A redução da vulnerabilidade já começa a
ser sentida. Agora, a redução dos homicídios efetivamente demora mais. Os
números de letalidade se revertem com muita lentidão. Não são um movimento
rápido”, disse Freitas.
Outra ação da Seppir para reduzir a violência
policial contra a população negra é a defesa da aprovação do Projeto de Lei
4.471, que tramita na Câmara dos Deputados. Ele prevê a adoção de mais
transparência na investigação dos chamados autos de resistência, ou seja, as
mortes em confrontos com a polícia.
5 comentários:
Uma dura verdade a da população negra num país que, de forma totalmente hipócrita se afirma como 'não racista'..
A situação do negro na sociedade brasileira se resume à queima de todo e qualquer vestígio de documentos sobre os Quilombos... um verdadeiro absurdo
E quem disse que isso aqui é uma democracia racial, esqueceu de muita cisa"
L.P.
Essa história de que a morte violenta de um jovem negro choca menos a sociedade do que a morte violenta de um jovem branco ´um absurdo, mas é a verdade porque pelo nível de vida são mais pobres por isso mesmo mais expostos ao risco.
Quando referes que "... O plano pretende articular diversas ações do governo federal, em articulação com estados municípios e sociedade civil, buscando transformar os territórios onde vivem essas pessoas e dar mais oportunidades de inclusão social à juventude negra...", dir-te-ia que, ao fim, ao cabo, pelo menos existem acções.
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