O Professor Jorge Vital de Brito Moreira nos presenteia com mais este excelente ensaio:
“A falência de Detroit é um exemplo do fracasso
de um sistema econômico" (“Detroit’s
bankruptcy is an example of a failed economic system”), diz o
economista Richard Wolff (professor
emérito de Economia na Universidade
de Massachusetts) numa entrevista com
Amy Goodman, a editora do diário democracynow.org
(1).
Segundo a imprensa local, no dia 18 de julho,
a cidade de Detroit, no estado de Michigan, EUA, declarou bancarrota e pediu a
um tribunal federal proteção contra os credores. Enfrentando uma dívida estimada
entre 18 e 20 bilhões, Detroit é a maior cidade norte americana a declarar
falência no país.
Sem dúvida, isto é um
resultado tenebroso
para a população da cidade, dado que sua indústria
automobilística e seu setor
manufatureiro entraram em colapso. Detroit (que já foi
a quarta maior cidade do país e que ficou conhecida como a “Cidade
Motor” e como berço da classe média), tem estado num processo de decadência por muitos
anos, resultando num declínio na população
que dizimou a sua base fiscal,
deixando a cidade com cortes maciços
nos serviços básicos e uma das mais altas taxas de crimes violentos
do país.
O
pedido de falência desencadeou o que poderia ser uma prolongada
batalha legal contra milhares de
empregados atuais e antigos da
cidade que tem direito a pensões
e benefícios médicos. O Governador de Michigan
colocou o destino da cidade nas mãos de um “Gerente de Emergência”: um funcionário não eleito que disse que o corte das pensões dos trabalhadores será
de vital importância para solucionar o problema
financeiro da cidade.
Ainda que a cidade de Detroit apresente o maior caso de
falência municipal da história dos EUA, não é um caso único nem isolado. Segundo o economista e professor Wolff:
"Há tantas outras cidades nos
EUA na condição de Detroit, que se os tribunais decidirem
que é legal retirar a pensão que foi prometida
e pagar a esses trabalhadores,
estamos diante do [a legalização] roubo.
Esta é uma luta de classes clara, da redistribuição da renda a partir da base para o topo.” (2)
A lúcida
conclusão do prof. Wolf do fracasso do sistema capitalista devido à sistemática
desapropriação e roubo da classe trabalhadora pela classe dominante não é nova.
Já foi expressa anteriormente por brilhantes pensadores sociais (3). Conforme
os estudos destes, a exploração da classe trabalhadora é o produto social de
uma sociedade fundada na luta de classes (de cima para baixo) onde a classe
dominante (os proprietários e gerentes do capital) detém o poder de impor as piores condições
de reprodução para a classe trabalhadora.
Assim, a conclusão do prof. Wolff está fundamentada na
história do “processo de acumulação do
capital” na cidade de Detroit que foi o centro automobilístico dos EUA por
quase 100 anos e que atualmente se encontra no pior momento da sua história.
Mas a decadência da cidade também tem sido um processo
que vem ocorrendo a aproximadamente 40 anos. Um dos seus indicadores mais significativos é o Registro da Redução da População da Cidade que caiu assombrosamente
de 2.000.000 para 700.000 habitantes (além do abandono de mais de 79 mil
edifícios) durante o período desta decadência. E uma estimativa recente (não
oficial) estabelecia uma taxa de desemprego para Detroit de aproximadamente 50%
da população economicamente ativa. (4 )
Não é difícil se entender como Detroit, a cidade símbolo
da indústria automobilística estadunidense por quase um século, chegou a esse tenebroso
final: os fatores decisivos da crise, da decadência e da declaração final da
falência, estão diretamente conectados com a fuga do capital das grandes
montadoras automobilísticas multinacionais
(General Motors, Ford e Chrysler)
para lugares, como México, China e outros países do planeta. (5)
Estas multinacionais queriam (e conseguiram) abaixar
os custos de produção do automóvel através do barateamento do valor da força de
trabalho empregada para produzi-lo. Por isso abandonaram a cidade e foram ao estrangeiro
onde conseguem pagar salários baixíssimos e assim obter lucros crescentes para
o Capital investido na indústria automobilística.
Evitando
pagar salários adequados (conquistados
através da luta histórica dos trabalhadores dos EUA contra a exploração do
Capital) ao custo de vida estadunidense; transferindo suas montadoras
multinacionais para fora de Detroit, deixaram para o município (Detroit) o ônus
do pagamento de salários, pensões, benefícios e outras obrigações sociais à
população da cidade. (6)
A falência da cidade também tem tido
repercussões no regime político e administrativo do município, já que agora está
controlado por um “Gerente de Emergência” (não foi eleito pelo povo) que
deslocou o prefeito (eleito pelo povo) para fora do poder.
Dada toda a situação anterior, o “Gerente de
Emergência” está dizendo que não há a obrigação de pagar pensões,
nem há a obrigação de respeitar os sindicatos. Como se pode deduzir, a
declaração da falência é também um pretexto para eliminar (como fez Scott Walker,
o governador de Wisconsin) o sindicalismo, rebaixar os salários e no mínimo,
limitar o que eles irão pagar de pensões. (7 )
E, no entanto, a responsabilidade da
falência da Detroit deveria ser compartilhada por este e outros governos que teem
dado isenções de impostos para as empresas privadas, especialmente para as
corporações multinacionais, que continuam com a liberdade de moverem seu
capital de acordo com os seus próprios interesses privados e os seus lucros,
mesmo que seja ao preço da destruição da cidade que foi o motor da industria
automobilista.(8)
Este é, na minha opinião, o perigo de depender
do crescimento da economia baseado na empresa privada (sobretudo nas corporações
multinacionais), pois num período de tempo o capital empregado pode surgir como
um novo fluxo de investimento mas, num período posterior, poderá facilmente abandonar
a região ocupada, produzindo
falência, pobreza e miséria como vem
acontecendo agora à população da cidade de Detroit.
Assim,
gostaria de terminar este texto, afirmando que não existirá sociedade
democrática nem igualitária enquanto a humanidade viver sob as amarras de um
modo de produção cujo único valor social (económico, político e imoral) consagrado
seja o crescimento do Capital e dos lucros para o proprietário dos meios de
produção e vida. Enquanto este modo irracional de produção social continuar
submetendo a maioria e beneficiando uma diminuta minoria não haverá nenhum
digno futuro para a maior parte da população deste planeta.
1) A entrevista
foi concedida pelo professor Wolff no dia 25 de Julho à Amy Goodman, à brilhante
editora de Democracynow.org, onde foi originalmente publicada. Veja: http://
www.democracynow.org/2013/7/25/richard_wolff_detroit_a_spectacular_failure
Democracynow.org
é, na minha opinião, um dos poucos meios de comunicação realmente democráticos
que ainda existem nos EUA. A grande maioria da mídia corporativa do país é
propriedade (ou é controlada) pelas grandes multinacionais estadunidenses.
2) Veja a entrevista do prof. Richard Wolff de 25 de julho de 2013.
3) Esta brilhante conclusão já foi afirmada anteriormente
por outros eminentes e modernos teóricos sociais como David Harvey que tem
expressado esta afirmação desde 2008, ou seja, desde o inicio desta gigantesca
crise do sistema capitalista; foi também expressada por teóricos do século XIX
como Karl Marx, autor do livro “O Capital”,
que junto a Frédéric Engels, fundaram a crítica cientifica ao
capitalismo e foram os únicos teóricos sociais do seu tempo que afirmaram que a
concentração e a centralização do capital produziria inexoravelmente as crises econômicas
do modo de produção capitalista.
4) Alta
taxa de desemprego foi agravada pela fuga dos indivíduos brancos e de classe
média para os subúrbios e para mais longe. A cidade ficou com uma base reduzida
de impostos, os valores de propriedade deprimidos, prédios e bairros
abandonados, altos índices de criminalidade e um desequilíbrio demográfico
acentuado. Há muitos cães abandonados em áreas degradadas da cidade. Seus
números são estimados em 20 mil. De acordo com o postmaster de Detroit, cinquenta e nove carteiros foram
atacados por cães vadios, em 2010.
5)
Enquanto Detroit declara falência, Wall Street declarou lucros recordes dos
grandes bancos (Morgan, Citibank, Wells Fargo) estão colhendo os maiores lucros
de sua história. Esta gigantesca desproporção económica entre setores
produtivos e regiões geográficas são, conforme Marx, manifestações das
contradições do capitalismo e atualmente é emblemática da dominação do capital
financeiro.
6) “Roger
and Me”, o primeiro documentário do diretor Michael Moore, mostra o próprio diretor tratando de
entrevistar a Roger Smith, o presidente da General Motors, pelo fechamento de
onze fabricas na cidade de Flint, Michigan; fechamento que deixou 30.000 pessoas sem
trabalho. O
filme de Moore antecipa, com grande clarividência, as terríveis consequências
futuras desta política das multinacionais automobilísticas para as cidades dos
EUA. Recomendo urgentemente a película para todos os que quiserem obter uma
imagem realista da problemática situação da cidade de Flint e outras do país.
7) Apesar
das falências, do desemprego, da miséria e do autoritarismo, o discurso hegemônico
oficial trata de nos convencer, descaradamente, que existe democracia nos EUA e
que o desejado “sonho americano” ainda é possível para todos (American dream
for all).
8) Em 24 de julho de 2013, seis dias após a falência da cidade de Detroit, o
presidente Barack Obama disse a uma
multidão em Illinois que reverter a desigualdade crescente e revitalizar a classe média "tem que ser a prioridade em
Washington." (http://www.cnn.com/2013/07/24/politics/obama-economy).
Durante o discurso cínico e demagógico (o
primeiro de uma série sobre a
economia), Obama não
mencionou o pedido de falência da
cidade de Detroit, onde milhares de trabalhadores do setor público estão lutando
para proteger as suas pensões e benefícios médicos, enquanto o governo do administrador da
cidade (“Gerente de Emergencia”) está ameaçando com cortes
maciços para aliviar a dívida, que se encontra atualmente entre 18 e 20 bilhões de dólares. Para muitos eleitores democratas é inaceitável que o
presidente Barack Obama (que entregou 700 bilhões de dólares aos proprietários
dos grandes bancos de Wall Street para salva-los da falência) tenha evitado
ajudar os trabalhadores da cidade quando se recusou a salvar Detroit da
falência.
4 comentários:
O professor Moreira sempre aprofundando as questões polêmicas no âmago do império. no cerne da crise do capitalismo.
Muito boa essa postagem!
Certa feita conheci um patrício teu, que, para alem de tratar-se de um aldrabão, era um reaccionário.
Ele era fanático por automóveis, e, certa feita falou-me que o seu sonho era viver em Detroit, o berço da producção em linha de veículos.
Fez-me rir, porem só não pude prolongar-me no riso, porque no mesmo dia o gajo foi atropelado e morreu!
Teria resistido a uma notícia como esta sobre a cidade de seus sonhos? Ou ter-se-ia matado desta vez?
Ora bem, o facto é que a indústria automotiva morreu. Sim senhor, veio a falecer nos EUA. Mas isto muito simplesmente porque a nova era (industrial-digitalizada), totalmente despoluída, transferiu para os países periféricos este tipo de indústria jurássica.
Considerada a capital do carro nos Estados Unidos, Detroit foi fundada há mais de 300 anos e cresceu graças ao “boom” da indústria automotiva na primeira metade do século 20. Em seu auge, na década de 1950, chegou a ser a quarta maior cidade norte-americana com uma população de 1,8 milhão de habitantes – número que hoje não passa de 700 mil.
A classe média acompanhou a saída da indústria e muitos bairros até hoje encontram-se abandonados. Detroit sofre ainda com casos de corrupção, queda na qualidade dos serviços públicos e crescentes índices de violência.
Tavim
O melhor de tudo isso é que não só Detroit está falindo.
São os Estados Unidos e a PÔRRA do capitalismo!
Postar um comentário