quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Da declaração da falência de Detroit à falência do modelo capitalista


 O Professor Jorge Vital de Brito Moreira nos presenteia com mais este excelente ensaio:

“A falência de Detroit é um exemplo do fracasso de um sistema econômico" (“Detroit’s bankruptcy is an example of a failed economic system”), diz o economista Richard Wolff (professor emérito de Economia na Universidade de Massachusetts) numa entrevista com Amy Goodman, a editora do diário democracynow.org (1).
  
 Segundo a imprensa local, no dia 18 de julho, a cidade de Detroit, no estado de Michigan, EUA, declarou bancarrota e pediu a um tribunal federal proteção contra os credores. Enfrentando uma dívida estimada entre 18 e 20 bilhões, Detroit é a maior cidade norte americana a declarar falência no país.
  
 Sem dúvida, isto é um resultado tenebroso para a população da cidade, dado que sua indústria automobilística e seu setor manufatureiro entraram em colapso. Detroit (que já foi a quarta maior cidade do país e que ficou conhecida como a “Cidade Motor” e como berço da classe média), tem estado num processo de decadência por muitos anos, resultando num declínio na população que dizimou a sua base fiscal, deixando a cidade com cortes maciços nos serviços básicos e uma das mais altas taxas de crimes violentos do país.
   
O pedido de falência desencadeou o que poderia ser uma prolongada batalha legal contra milhares de empregados atuais e antigos da cidade que tem direito a pensões e benefícios médicos. O Governador de Michigan colocou o destino da cidade nas mãos de um “Gerente de Emergência”: um funcionário não eleito que disse que o corte das pensões dos trabalhadores será de vital importância para solucionar o problema financeiro da cidade.
  
Ainda que a cidade de Detroit apresente o maior caso de falência municipal da história dos EUA, não é um caso único nem isolado. Segundo o economista e professor Wolff: "Há tantas outras cidades nos EUA na condição de Detroit, que se os tribunais decidirem que é legal retirar a pensão que foi prometida e pagar a esses trabalhadores, estamos diante do [a legalização] roubo. Esta é uma luta de classes clara,  da redistribuição da renda a partir da base para o topo.” (2)
  
 A lúcida conclusão do prof. Wolf do fracasso do sistema capitalista devido à sistemática desapropriação e roubo da classe trabalhadora pela classe dominante não é nova. Já foi expressa anteriormente por brilhantes pensadores sociais (3). Conforme os estudos destes, a exploração da classe trabalhadora é o produto social de uma sociedade fundada na luta de classes (de cima para baixo) onde a classe dominante (os proprietários e gerentes do capital) detém o poder de impor as piores condições de reprodução para a classe trabalhadora.
  
Assim, a conclusão do prof. Wolff está fundamentada na história do “processo de acumulação do capital” na cidade de Detroit que foi o centro automobilístico dos EUA por quase 100 anos e que atualmente se encontra no pior momento da sua história. 
  
Mas a decadência da cidade também tem sido um processo que vem ocorrendo a aproximadamente 40 anos. Um dos seus indicadores  mais significativos é o Registro da Redução da População da Cidade que caiu assombrosamente de 2.000.000 para 700.000 habitantes (além do abandono de mais de 79 mil edifícios) durante o período desta decadência. E uma estimativa recente (não oficial) estabelecia uma taxa de desemprego para Detroit de aproximadamente 50% da população economicamente ativa. (4 )
  
Não é difícil se entender como Detroit, a cidade símbolo da indústria automobilística estadunidense por quase um século, chegou a esse tenebroso final: os fatores decisivos da crise, da decadência e da declaração final da falência, estão diretamente conectados com a fuga do capital das grandes montadoras automobilísticas multinacionais  (General Motors, Ford e  Chrysler) para lugares, como México, China e outros países do planeta. (5)
  
Estas  multinacionais queriam (e conseguiram) abaixar os custos de produção do automóvel através do barateamento do valor da força de trabalho empregada para produzi-lo. Por isso abandonaram a cidade e foram ao estrangeiro onde conseguem pagar salários baixíssimos e assim obter lucros crescentes para o Capital investido na indústria automobilística.
  
 Evitando pagar salários adequados  (conquistados através da luta histórica dos trabalhadores dos EUA contra a exploração do Capital) ao custo de vida estadunidense; transferindo suas montadoras multinacionais para fora de Detroit, deixaram para o município (Detroit) o ônus do pagamento de salários, pensões, benefícios e outras obrigações sociais à população da cidade. (6)
  
A falência da cidade também tem tido repercussões no regime político e administrativo do município, já que agora está controlado por um “Gerente de Emergência” (não foi eleito pelo povo) que deslocou o prefeito (eleito pelo povo)  para fora do poder. 
  
Dada toda a situação anterior, o “Gerente de Emergência” está dizendo que não há a obrigação de pagar pensões, nem há a obrigação de respeitar os sindicatos. Como se pode deduzir, a declaração da falência  é também  um pretexto para eliminar (como fez Scott Walker, o governador de Wisconsin) o sindicalismo, rebaixar os salários e no mínimo, limitar o que eles irão pagar de pensões. (7 ) 
  
E, no entanto, a responsabilidade da falência da Detroit deveria ser compartilhada por este e outros governos que teem dado isenções de impostos para as empresas privadas, especialmente para as corporações multinacionais, que continuam com a liberdade de moverem seu capital de acordo com os seus próprios interesses privados e os seus lucros, mesmo que seja ao preço da destruição da cidade que foi o motor da industria automobilista.(8)
  
Este é, na minha opinião, o perigo de depender do crescimento da economia baseado na empresa privada (sobretudo nas corporações multinacionais), pois num período de tempo o capital empregado pode surgir como um novo fluxo de investimento mas, num período posterior, poderá facilmente abandonar a região ocupada,  produzindo falência,  pobreza e miséria como vem acontecendo agora à população da cidade de Detroit.
  
            Assim, gostaria de terminar este texto, afirmando que não existirá sociedade democrática nem igualitária enquanto a humanidade viver sob as amarras de um modo de produção cujo único valor social (económico, político e imoral) consagrado seja o crescimento do Capital e dos lucros para o proprietário dos meios de produção e vida. Enquanto este modo irracional de produção social continuar submetendo a maioria e beneficiando uma diminuta minoria não haverá nenhum digno futuro para a maior parte da população deste planeta.

1) A entrevista foi concedida pelo professor Wolff no dia 25 de Julho à Amy Goodman, à brilhante editora de Democracynow.org, onde foi originalmente publicada. Veja: http://
www.democracynow.org/2013/7/25/richard_wolff_detroit_a_spectacular_failure
Democracynow.org é, na minha opinião, um dos poucos meios de comunicação realmente democráticos que ainda existem nos EUA. A grande maioria da mídia corporativa do país é propriedade (ou é controlada) pelas grandes multinacionais estadunidenses.

2) Veja a entrevista do prof. Richard Wolff de 25 de julho de 2013.  
3) Esta brilhante conclusão já foi afirmada anteriormente por outros eminentes e modernos teóricos sociais como David Harvey que tem expressado esta afirmação desde 2008, ou seja, desde o inicio desta gigantesca crise do sistema capitalista; foi também expressada por teóricos do século XIX como Karl Marx, autor do livro “O Capital”,  que junto a Frédéric Engels, fundaram a crítica cientifica ao capitalismo e foram os únicos teóricos sociais do seu tempo que afirmaram que a concentração e a centralização do capital produziria inexoravelmente as crises econômicas do modo de produção capitalista.

4) Alta taxa de desemprego foi agravada pela fuga dos indivíduos brancos e de classe média para os subúrbios e para mais longe. A cidade ficou com uma base reduzida de impostos, os valores de propriedade deprimidos, prédios e bairros abandonados, altos índices de criminalidade e um desequilíbrio demográfico acentuado. Há muitos cães abandonados em áreas degradadas da cidade. Seus números são estimados em 20 mil. De acordo com o postmaster  de Detroit, cinquenta e nove carteiros foram atacados por cães vadios, em 2010.

5) Enquanto Detroit declara falência, Wall Street declarou lucros recordes dos grandes bancos (Morgan, Citibank, Wells Fargo) estão colhendo os maiores lucros de sua história. Esta gigantesca desproporção económica entre setores produtivos e regiões geográficas são, conforme Marx, manifestações das contradições do capitalismo e atualmente é emblemática da dominação do capital financeiro.

6) “Roger and Me”, o primeiro documentário do diretor Michael Moore,  mostra o próprio diretor tratando de entrevistar a Roger Smith, o presidente da General Motors, pelo fechamento de onze fabricas na cidade de Flint, Michigan; fechamento que deixou 30.000 pessoas sem trabalho. O filme de Moore antecipa, com grande clarividência, as terríveis consequências futuras desta política das multinacionais automobilísticas para as cidades dos EUA. Recomendo urgentemente a película para todos os que quiserem obter uma imagem realista da problemática situação da cidade de Flint e outras do país.

7) Apesar das falências, do desemprego, da miséria e do autoritarismo, o discurso hegemônico oficial trata de nos convencer, descaradamente, que existe democracia nos EUA e que o desejado “sonho americano” ainda é possível para todos (American dream for all).

8) Em 24 de julho de 2013, seis dias após a falência da cidade de Detroit, o presidente Barack Obama disse a uma multidão em Illinois que reverter a desigualdade crescente e revitalizar a classe média "tem que ser a prioridade em Washington." (http://www.cnn.com/2013/07/24/politics/obama-economy). Durante o discurso cínico e demagógico (o primeiro de uma série sobre a economia),  Obama não mencionou o pedido de falência da cidade de Detroit, onde milhares de trabalhadores do setor público estão lutando para proteger as suas pensões e benefícios médicos, enquanto o governo do administrador  da cidade (“Gerente de Emergencia”) está ameaçando com cortes maciços para aliviar a dívida, que se encontra atualmente entre  18 e 20 bilhões de dólares. Para muitos eleitores democratas é inaceitável que o presidente Barack Obama (que entregou 700 bilhões de dólares aos proprietários dos grandes bancos de Wall Street para salva-los da falência) tenha evitado ajudar os trabalhadores da cidade quando se recusou a salvar Detroit da falência.


4 comentários:

Misael disse...

O professor Moreira sempre aprofundando as questões polêmicas no âmago do império. no cerne da crise do capitalismo.
Muito boa essa postagem!

Nun'Alvares disse...

Certa feita conheci um patrício teu, que, para alem de tratar-se de um aldrabão, era um reaccionário.
Ele era fanático por automóveis, e, certa feita falou-me que o seu sonho era viver em Detroit, o berço da producção em linha de veículos.
Fez-me rir, porem só não pude prolongar-me no riso, porque no mesmo dia o gajo foi atropelado e morreu!

Teria resistido a uma notícia como esta sobre a cidade de seus sonhos? Ou ter-se-ia matado desta vez?

Ora bem, o facto é que a indústria automotiva morreu. Sim senhor, veio a falecer nos EUA. Mas isto muito simplesmente porque a nova era (industrial-digitalizada), totalmente despoluída, transferiu para os países periféricos este tipo de indústria jurássica.

Anônimo disse...

Considerada a capital do carro nos Estados Unidos, Detroit foi fundada há mais de 300 anos e cresceu graças ao “boom” da indústria automotiva na primeira metade do século 20. Em seu auge, na década de 1950, chegou a ser a quarta maior cidade norte-americana com uma população de 1,8 milhão de habitantes – número que hoje não passa de 700 mil.

A classe média acompanhou a saída da indústria e muitos bairros até hoje encontram-se abandonados. Detroit sofre ainda com casos de corrupção, queda na qualidade dos serviços públicos e crescentes índices de violência.

Tavim

Glaucia disse...

O melhor de tudo isso é que não só Detroit está falindo.
São os Estados Unidos e a PÔRRA do capitalismo!