sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Hillary Clinton é a principal causa de preocupação




Diana Johnstone, a autora do livro "Hillary Clinton Rainha do Caos" (Queen of caos: The Misadventures of Hillary Clinton)(1) destaca o belicismo da candidata a primeira presidente dos EUA. Johnstone também discute suas conexões com Wall Street.

Diana Johnstone é provavelmente uma das comentaristas de política europeia e norte-americana mais à esquerda. Colaboradora, entre outros, da revista Counterpunch, Johnstone, que se tornou conhecida na Europa por sua crítica à política ocidental durante as guerras nos Balcãs. Ela acaba de lançar o livro mencionado sobre a candidata Hillary Clinton, a “Rainha do caos”.

[Nota: O texto seguinte (publicado integralmente por Rebelion.org) foi traduzido para o português por Jorge Vital de Brito Moreira para o blog Novas Pensatas. O texto é parte da entrevista de Diana Johnstone concedida em abril de 2016, quando ainda não haviam terminado as eleições internas do Partido Democrata. No entanto, as opiniões expressas por Diana Johnstone continuam a ser importantes para entender quem é a candidata Hillary Clinton nos dias atuais].

A mídia dos EUA tem colocado a sua atenção em Donald Trump nestas eleições primárias. Mas, na sua opinião, Hillary Clinton também deveria ser motivo de preocupação. Você a descreveu como "a rainha do caos". Por quê?
Trump recebe manchetes porque é uma novidade, um showman que diz coisas chocantes. Ele é visto como um intruso em um show eleitoral projetado para transformar a Clinton na "primeira presidente mulher dos Estados Unidos". Por que eu a chamo de "rainha do caos"? Em primeiro lugar, pela Líbia. Hillary Clinton foi em grande medida a responsável pela guerra que mergulhou a Líbia no caos, um caos que se espalha para o resto da África e mesmo da Europa. Ela tem defendido mais guerra ao  Oriente Médio.
Minha opinião não é que Hillary Clinton "também deveria" ser motivo de preocupação. Ela é o principal motivo de preocupação. Clinton promete mais apoio a Israel contra os palestinos. Ela está totalmente comprometida com a aliança de fato entre a Arábia Saudita e Israel que visa derrubar Assad, fragmentar a Síria e destruir a aliança xiita entre o Irã, Assad e Hezbollah. Isso aumenta o risco de um confronto militar com a Rússia e o Oriente Médio. Ao mesmo tempo, Hillary Clinton defende uma política guerreirista em relação à Rússia na sua fronteira com a Ucrânia. Os meios de comunicação de massas do Ocidente recusam-se a tomar consciência do que muitos observadores sérios, tais como John Pilger e Ralph Nader, temem; que Hillary Clinton nos leve, sem se dar conta,  à Terceira Guerra Mundial.
Trump não se encaixa nesse molde. Com seus comentários rudes, Trump se desvia radicalmente do padrão de lugares comuns que ouvimos por parte dos políticos estadunidenses. Mas os meios de comunicação estabelecidos teem sido lentos em reconhecer que o povo americano está completamente cansado de políticos que se encaixam neste padrão. Esse padrão é incorporado por Hillary Clinton. Os meios de comunicação europeus teem apresentado, na maior parte do tempo, Hillary Clinton como a alternativa sensata e moderada ao bárbaro Trump. No entanto, Trump, o "bárbaro", é a favor da reconstrução da infraestrutura do país, em vez de gastar dinheiro em guerras no exterior. Ele é um homem de negócios, não um ideólogo.
Trump afirmou claramente a sua intenção de acabar com a demonização perigosa de Putin para desenvolver relações comerciais com a Rússia, o que seria positivo para os EUA, para a Europa e para a paz mundial. Curiosamente, antes de decidir apresentar-se  como um candidato republicano, para o desespero dos líderes do Partido Republicano, Trump era conhecido como um democrata, e era a favor de políticas sociais relativamente progressistas, à esquerda dos atuais republicanos ou de Hillary Clinton.
Trump é imprevisível. Seu recente discurso na AIPAC, o principal lobby pró-Israel foi muito hostil com o Irã, e em 2011 aderiu à propaganda que levou à guerra contra a Líbia,  mesmo que agora, a critique retrospectivamente. Ele é um lobo solitário e ninguém sabe quem são seus conselheiros políticos, mas há esperança de que ele jogar fora da política, aos neoconservadores e intervencionistas liberais que teem dominado a política externa americana nos últimos quinze anos.

Os assessores de Clinton enfatizam sua experiência, principalmente como Secretária de Estado. Muito se tem escrito sobre esta experiência e nem sempre de forma positiva. Qual foi o seu papel na Líbia, Síria ou em Honduras?
Há duas coisas a dizer sobre a famosa experiência de Hillary Clinton. A primeira coisa, é notar que a sua experiência não é a razão para sua candidatura, mas sim, a candidatura é a razão para a sua experiência. Em outras palavras, Hillary não é uma candidata porque sua experiência maravilhosa tem inspirado as pessoas a escolher a ela como candidata presidencial. É mais correto dizer que este currículo foi adquirido apenas para  qualificá-la como presidente.
Por cerca de vinte anos, a máquina “Clintoniana” que domina o Partido Democrata, planejou para Hillary  se tornar "a primeira mulher presidente dos EUA" e sua carreira foi concebida para conseguir esses objetivos: primeira senadora por Nova York, logo, primeira  Secretária de Estado.
A segunda coisa diz respeito ao conteúdo e à qualidade dessa famosa experiência. Ela tem se empenhado a demonstrar que ela  é dura, que ela tem potencial para ser presidente. No Senado, votou a favor da guerra no Iraque. Ela desenvolveu uma relação próxima com o intervencionista mais agressivo entre seus colegas, o senador republicano John McCain, do Arizona. Juntou-se aos republicanos para apoiar medidas religiosas chauvinistas, como queimar a bandeira americana, fosse um crime federal. Como Secretária de Estado, trabalhou com "neoconservadores" e, essencialmente, adotou uma política neoconservadora usando o poder dos EUA para remodelar o mundo.
Em relação a Honduras, sua primeira grande tarefa como Secretária de Estado foi fornecer cobertura diplomática para a direita no golpe militar que depôs o presidente Manuel Zelaya. Desde então, Honduras tornou-se a capital com mais assassinatos no mundo. Quanto à Líbia, ela convenceu o presidente Obama para derrubar o regime de Gaddafi usando a doutrina da "responsabilidade de proteger" (R2P) como pretexto, com base em informações falsas. Ela bloqueou ativamente os esforços dos governos latino-americanos e africanos para mediar, e conseguiu impedir os esforços da inteligência militar dos EUA, para negociar um compromisso que permitiria Gaddafi a abandonar o poder pacificamente.
Ela continuou essa mesma linha agressiva com a Síria, pressionando o presidente Obama para aumentar o apoio aos rebeldes anti-Assad e até mesmo a impor uma "zona de exclusão aérea" com base no modelo da Líbia, arriscando-se a uma guerra com a Rússia. Se você examinar atentamente, sua "experiência" em vez de qualificá-la para o cargo de presidente, a desqualifica.

Como a secretária de Estado Hillary Clinton anunciou em 2012 um "pivô" para a Ásia Oriental na política externa dos EUA. Que tipo de política poderíamos esperar de Clinton para a China?
Basicamente, este "pivô" significa uma mudança do poder militar dos EUA, especialmente naval, da Europa e do Oriente Médio para o Pacífico ocidental. Supostamente, porque, devido ao crescente poder econômico da China, este deve ser uma "ameaça" potencial em termos militares. O "pivô" envolve a criação de alianças anti-china entre outros Estados da região, o que com toda a probabilidade,  aumentará as tensões e rodeando a China com uma política militar agressiva, empurrará efetivamente a China para uma corrida armamentista. Hillary Clinton está comprometida com esta política, e se chegar a presidência a intensificaria.

Clinton disse em 2008 que Vladimir Putin "não tem alma". Robert Kagan e outros "intervencionistas liberais" que desempenharam um papel proeminente na crise da Ucrânia apoiam a Clinton. A sua política para a Rússia ofereceria um risco maior de um  confronto do que os outros candidatos?
Sua política seria claramente de um maior confronto com a Rússia do que a de Donald Trump. Ted Cruz (candidato republicano adversário de Trump) é um fanático evangélico de extrema direita que seria tão ruim como Clinton ou talvez ainda pior. Ele compartilha a mesma crença semirreligiosa de Clinton no papel "excepcional" dos EUA para moldar o mundo à sua imagem. Por outro lado, Bernie Sanders se opôs à guerra no Iraque. Ele não tem falado muito da política internacional, mas a seu caráter racional sugere que seria mais sábio que qualquer dos outros candidatos.
  
Os  assessores de Clinton tratam de destacar sua tentativa para reformar o sistema de saúde dos EUA. Isso foi realmente uma tentativa de reforma avançada e tão importante como eles destacam  que foi?
Em janeiro de 1993, poucos dias depois de assumir a presidência, Bill Clinton mostrou sua intenção de promover a carreira política de sua esposa Hillary nomeando a presidente de uma comissão especial para reformar o sistema de saúde nacional. O objetivo era realizar um plano de cobertura de saúde com base no que se denominou "competição administrada" entre as empresas privadas. O diretor da comissão, Ira Magaziner, um assessor próximo a Clinton, foi quem desenhou o plano. O papel de Hillary era vender politicamente o plano, especialmente ao Congresso. E nisso ela falhou completamente. O "plano de Clinton", de cerca de 1.342 páginas, foi considerado demasiado complicado de se entender, e em meados de 1994 perdeu praticamente todo o apoio político. Finalmente morreu no Congresso.
Respondendo a sua pergunta, o plano basicamente não era dela, mas de Ira Magaziner. Como o plano dependia das companhias de seguro privadas com fins lucrativos (como também ocorre com o plano de seguro de saúde de Obama), ele não foi um avanço, como seria o do sistema universal de saúde que defende Bernie Sanders.
  
Notoriamente, a campanha de Clinton tem tomado dinheiro de vários Fundos de coberturas (Hedge fund). Como você acha que isso poderia determinar a sua política económica se ela consegue chegar a presidência?
Quando os Clintons deixaram a Casa Branca em janeiro de 2001, Hillary Clinton lamentou estar "não somente sem banco, mas endividada." Isso mudou imediatamente. Falando figurativamente, os Clinton mudaram da Casa Branca para Wall Street, desde a presidência dos EUA para o mundo das finanças estadunidenses. Os Banqueiros de Wall Street compraram uma segunda mansão para os Clintons no Estado de Nova York (que foi somada à que eles teem em Washington DC) emprestando-lhes primeiro o dinheiro, e logo, pagando-lhes milhões de dólares para dar conferências.
Seus amigos no setor bancário lhes permitiram criar uma fundação familiar agora avaliada em dois bilhões de dólares. Os fundos de campanha procedem de fundos de investimento de amigos que colaboram voluntariamente. Sua filha, Chelsea, trabalhou para um fundo de investimento antes de se casar com Marc Mezvinsky, que criou o seu próprio fundo de investimento, depois de trabalhar para o banco Goldman Sachs.
Em poucas palavras, os Clinton se submergiram completamente no mundo das finanças, que se converteu em parte de sua “família”. É difícil imaginar que Hillary poderia ser tão ingrata para estabelecer políticas contrárias aos interesses de sua “família adotiva”.

Fala-se que a política de identidade é outro pilar de sua campanha eleitoral. Aqueles que apoiam Clinton dizem que votando por ela se quebrará o teto de cristal e, pela primeira vez na história, uma mulher entrará na Casa Branca. Por diversos meios,  você tem protestado contra esta interpretação.
Um razão fundamental para que se desse a aliança de Wall Street com os Clintons é que os autoproclamados "novos democratas" liderados por Bill Clinton conseguiram mudar a ideologia do Partido Democrático: da igualdade social para a igualdade de oportunidades. Em vez de lutar pelas tradicionais políticas do New Deal que visam aumentar os padrões de vida da maioria, os  Clinton lutam pelos direitos das mulheres e das minorias, para "ter sucesso" individualmente, para romper os "tetos de cristal”, para progredir em suas carreiras e para enriquecer. Esta "política de identidade" quebrou a solidariedade da classe trabalhadora fazendo que as pessoas se concentrem na identidade étnica, racial ou sexual. É uma forma de política de "dividir e vencerás".
Hillary Clinton tenta convencer às mulheres, que a sua ambição é a de todas elas, e que votando nela, estão votando para si mesmas e para o seu futuro sucesso. Este argumento parece funcionar melhor entre as mulheres de sua geração, que se identificavam com Hillary e simpatizavam com o apoio leal dela ao seu marido, apesar de suas traições. No entanto, a maioria das jovens americanos não foram levadas por este argumento e no momento buscam motivos mais fortes para votar. As mulheres deveriam trabalhar em conjunto pela causa das mulheres, como salário igual por trabalho igual, ou pela disponibilidade de creches para as mulheres que trabalham. Mas Hillary é uma pessoa, não uma causa. Não há evidências de que as mulheres em geral tenham se beneficiado no passado de ter uma rainha ou um presidente. Além disso, embora a eleição de Barack Obama tenha sido boa para os afroamericanos, por razões simbólicas, a situação da população afroamericana piorou.
Mulheres Jovens, como Tulsi Gabbard ou Rosario Dawson, consideram que terminar com o sistema de guerras e de mudanças de regimes para fornecer a todos uma boa educação e saúde são critérios muito mais significativos na hora de escolher um candidato.

No passado, você criticou a esquerda (ou uma parte substancial da mesma) por apoiar as chamadas "intervenções humanitárias".
A propaganda neoliberal dominante  justifica a intervenção militar por razões humanitárias, para "proteger" as pessoas de "ditadores". Esta propaganda tem sido muito bem sucedida, especialmente na esquerda, onde muitas vezes a propaganda  é aceita como uma versão contemporânea do "internacionalismo" da velha esquerda, quando na verdade é o oposto dela; não se trata das Brigadas Internacionais nem do seu idealismo que lutavam por uma causa progressista, trata-se agora dos militares do exercito dos EUA bombardeando países em nome de alguma minoria que podem acabar mostrando-se  como um grupo mafioso ou terroristas islâmicos.
Honestamente, eu acho que este meu livro é uma contribuição para a crítica da política intervencionista liberal, e lamento que não esteja disponível em espanhol, embora existam edições em Inglês, Francês, Italiano, Português, alemão e sueco.

Nota:
Diana Johnstone, “Hillary Clinton Rainha do Caos”, Editora Página a Página, 123 pág., Lisboa 2016 (Queen of caos: The Misadventures of Hillary Clinton, no original inglês).

Este é uma peça para impressão que mede 30x11cm. Copie e cole
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3 comentários:

Joelma disse...

Simplesmente FORA-DE-SÉRIE esta postagem.
De parabéns você, de parabéns o Prof. Jorge Moreira.
Ficava indignada com as pessoas torcendo pela Hillary. E me perguntava se ela tudo issoteria alguma CULPA NO CARTÓRIO. Achava mesmo IMPOSSÍVEL que fôsse assim.
Estão ai as provas!
É evidente que o comprometimento dela com o sistema teria que resultar nisso.
E como a grande imprensa consegue esconder tudo isto direitinho? Pelo menos aqui no Brasil a gente não ouve nem lê nadinha a respeito do assunto.
Vou procurar essa rdiçãp portuguesa nas livrarias, e se não, acabo achando na internet
Bom, é isso.

Mário disse...

Gostaria muito de ler este "Hillary Clinton Rainha do Caos", que a 'Editora Página a Página' de Lisboa editou.
A propósito, é curioso e até mesmo engraçado que nos tempos da ditadura "fascista medievalesca" de Salazar as editoras lusitanas publicavam autores não somente de esquerda, como de fato marxistas. E isto antes do golpe militar de 1964... porque depois daquele nefasto acontecimento nem os importados d'além mar seriam encontrados no Brasil.
Mas isso tudo não importa no momento. O importante mesmo é que o referido lançamento revela "bombasticamente" as jogadas dos Clinton, que fazem um puta dum esforço para parecerem justamente o oposto do que são. Na verdade, apenas Jimmy Carter, no meu entender realizou um governo mais humano, mormente para a América ao sul do Rio Bravo.
Creio que a sorte da "madame" Clinton foi 'pegar' um candidato mais a direita e totalmente "doidão", meio fácil de desconstruir. E mesmo assim tenho meus receios de que o seu discurso fundamentalista agrade bastante boa parte da população, principalmente naquele meio oeste repleto de ignorantes que só olham para seus umbigos!
Quando Diana Johnstone (a autora) entrevistada afirma que "os Clinton submergiram completamente no mundo das finanças, que se converteu em parte de sua 'família'. É difícil imaginar que Hillary poderia ser tão ingrata para estabelecer políticas contrárias aos interesses de sua 'família adotiva'", ela diz tudo. Aí está o cerne da questão: o sistema capitalista é desonesto por natureza. O 'lobby' nasceu na 'lobby' do congresso dos Estados Unidos. E desde então fazer 'lobby' passou a significar a atividade de pressão, exercida por um grupo organizado, sobre políticos e poderes públicos, com o objetivo de obter benefícios, particularmente de ordem econômica.
Os fatos ocorridos recentemente no Brasil, são nada mais, nada menos do que isso.
E ficam os partidos de direita jogaram toda a responsabilidade no PT, querendo insinuar que este partido o criou, quando na realidade quem criou este hábito foram seua "aliados" do norte. E tudo começou à época do presidente dos Estados Unidos Ulysses S. Grant, que costumava se dirigir ao 'lobby' do hotel Willard para fumar seus charutos e simplesmente relaxar. Lá, ele era abordado por diversas pessoas e grupos que queriam expor suas reivindicações e de certa forma influenciar as decisões públicas(rs).

Mário disse...

Putz, falei, falei e esqueci de explicar melhor a origem da palavra 'lobby':
Esta palavra tem sua origem na língua inglesa, que significa salão, 'hall' ou corredor. Segundo alguns estudiosos devido ao fato das articulações e “pressões” ocorrerem em 'lobbys' de hotéis e congressos, surgiu então o termo.