Diana Johnstone, a autora do livro "Hillary
Clinton Rainha do Caos" (Queen
of caos: The Misadventures of Hillary Clinton)(1) destaca o belicismo da candidata
a primeira presidente dos EUA. Johnstone também discute suas conexões com Wall
Street.
Diana Johnstone é provavelmente uma das comentaristas de política
europeia e norte-americana mais à esquerda. Colaboradora, entre outros, da
revista Counterpunch, Johnstone, que se
tornou conhecida na Europa por sua crítica à política ocidental durante as
guerras nos Balcãs. Ela acaba de lançar o livro mencionado sobre a candidata
Hillary Clinton, a “Rainha do caos”.
[Nota: O texto seguinte (publicado integralmente por Rebelion.org) foi traduzido para o
português por Jorge Vital de Brito
Moreira para o blog Novas Pensatas. O texto é parte da
entrevista de Diana Johnstone concedida em abril de 2016, quando ainda não
haviam terminado as eleições internas do Partido Democrata. No entanto, as
opiniões expressas por Diana Johnstone continuam a ser importantes para
entender quem é a candidata Hillary Clinton nos dias atuais].
A mídia dos EUA tem
colocado a sua atenção em Donald Trump nestas eleições primárias. Mas, na sua
opinião, Hillary Clinton também deveria ser motivo de preocupação. Você a descreveu
como "a rainha do caos". Por quê?
Trump recebe manchetes porque é uma novidade, um showman que diz coisas chocantes. Ele é
visto como um intruso em um show
eleitoral projetado para transformar a Clinton na "primeira presidente mulher
dos Estados Unidos". Por que eu a chamo de "rainha do caos"? Em
primeiro lugar, pela Líbia. Hillary Clinton foi em grande medida a responsável
pela guerra que mergulhou a Líbia no caos, um caos que se espalha para o resto da
África e mesmo da Europa. Ela tem defendido mais guerra ao Oriente Médio.
Minha opinião não é que Hillary Clinton "também deveria"
ser motivo de preocupação. Ela é o principal motivo de preocupação. Clinton
promete mais apoio a Israel contra os palestinos. Ela está totalmente comprometida
com a aliança de fato entre a Arábia Saudita e Israel que visa derrubar Assad, fragmentar
a Síria e destruir a aliança xiita entre o Irã, Assad e Hezbollah. Isso aumenta
o risco de um confronto militar com a Rússia e o Oriente Médio. Ao mesmo tempo,
Hillary Clinton defende uma política guerreirista em relação à Rússia na sua
fronteira com a Ucrânia. Os meios de comunicação de massas do Ocidente recusam-se
a tomar consciência do que muitos observadores sérios, tais como John Pilger e
Ralph Nader, temem; que Hillary Clinton nos leve, sem se dar conta, à Terceira Guerra Mundial.
Trump não se encaixa nesse molde. Com seus comentários rudes,
Trump se desvia radicalmente do padrão de lugares comuns que ouvimos por parte
dos políticos estadunidenses. Mas os meios de comunicação estabelecidos teem
sido lentos em reconhecer que o povo americano está completamente cansado de
políticos que se encaixam neste padrão. Esse padrão é incorporado por Hillary
Clinton. Os meios de comunicação europeus teem apresentado, na maior parte do
tempo, Hillary Clinton como a alternativa sensata e moderada ao bárbaro Trump.
No entanto, Trump, o "bárbaro", é a favor da reconstrução da
infraestrutura do país, em vez de gastar dinheiro em guerras no exterior. Ele é
um homem de negócios, não um ideólogo.
Trump afirmou claramente a sua intenção de acabar com a
demonização perigosa de Putin para desenvolver relações comerciais com a Rússia,
o que seria positivo para os EUA, para a Europa e para a paz mundial. Curiosamente,
antes de decidir apresentar-se como um
candidato republicano, para o desespero dos líderes do Partido Republicano,
Trump era conhecido como um democrata, e era a favor de políticas sociais
relativamente progressistas, à esquerda dos atuais republicanos ou de Hillary
Clinton.
Trump é imprevisível. Seu recente discurso na AIPAC, o
principal lobby pró-Israel foi muito
hostil com o Irã, e em 2011 aderiu à propaganda que levou à guerra contra a
Líbia, mesmo que agora, a critique
retrospectivamente. Ele é um lobo solitário e ninguém sabe quem são seus
conselheiros políticos, mas há esperança de que ele jogar fora da política, aos
neoconservadores e intervencionistas liberais que teem dominado a política
externa americana nos últimos quinze anos.
Os assessores de
Clinton enfatizam sua experiência, principalmente como Secretária de Estado.
Muito se tem escrito sobre esta experiência e nem sempre de forma positiva.
Qual foi o seu papel na Líbia, Síria ou em Honduras?
Há duas coisas a dizer sobre a famosa experiência de Hillary
Clinton. A primeira coisa, é notar que a sua experiência não é a razão para sua
candidatura, mas sim, a candidatura é a razão para a sua experiência. Em outras
palavras, Hillary não é uma candidata porque sua experiência maravilhosa tem
inspirado as pessoas a escolher a ela como candidata presidencial. É mais
correto dizer que este currículo foi adquirido apenas para qualificá-la como presidente.
Por cerca de vinte anos, a máquina “Clintoniana” que domina o
Partido Democrata, planejou para Hillary se tornar "a primeira mulher presidente dos
EUA" e sua carreira foi concebida para conseguir esses objetivos: primeira
senadora por Nova York, logo, primeira
Secretária de Estado.
A segunda coisa diz respeito ao conteúdo e à qualidade dessa famosa
experiência. Ela tem se empenhado a demonstrar que ela é dura, que ela tem potencial para ser
presidente. No Senado, votou a favor da guerra no Iraque. Ela desenvolveu uma
relação próxima com o intervencionista mais agressivo entre seus colegas, o
senador republicano John McCain, do Arizona. Juntou-se aos republicanos para
apoiar medidas religiosas chauvinistas, como queimar a bandeira americana,
fosse um crime federal. Como Secretária de Estado, trabalhou com
"neoconservadores" e, essencialmente, adotou uma política neoconservadora
usando o poder dos EUA para remodelar o mundo.
Em relação a Honduras, sua primeira grande tarefa como
Secretária de Estado foi fornecer cobertura diplomática para a direita no golpe
militar que depôs o presidente Manuel Zelaya. Desde então, Honduras tornou-se a
capital com mais assassinatos no mundo. Quanto à Líbia, ela convenceu o
presidente Obama para derrubar o regime de Gaddafi usando a doutrina da
"responsabilidade de proteger" (R2P) como pretexto, com base em
informações falsas. Ela bloqueou ativamente os esforços dos governos latino-americanos
e africanos para mediar, e conseguiu impedir os esforços da inteligência
militar dos EUA, para negociar um compromisso que permitiria Gaddafi a
abandonar o poder pacificamente.
Ela continuou essa mesma linha agressiva com a Síria,
pressionando o presidente Obama para aumentar o apoio aos rebeldes anti-Assad e
até mesmo a impor uma "zona de exclusão aérea" com base no modelo da
Líbia, arriscando-se a uma guerra com a Rússia. Se você examinar atentamente,
sua "experiência" em vez de qualificá-la para o cargo de presidente, a
desqualifica.
Como a secretária de
Estado Hillary Clinton anunciou em 2012 um "pivô" para a Ásia
Oriental na política externa dos EUA. Que tipo de política poderíamos esperar de
Clinton para a China?
Basicamente, este "pivô"
significa uma mudança do poder militar dos EUA, especialmente naval, da Europa
e do Oriente Médio para o Pacífico ocidental. Supostamente, porque, devido ao
crescente poder econômico da China, este deve ser uma "ameaça" potencial
em termos militares. O "pivô"
envolve a criação de alianças anti-china entre outros Estados da região, o que
com toda a probabilidade, aumentará as
tensões e rodeando a China com uma política militar agressiva, empurrará efetivamente
a China para uma corrida armamentista. Hillary Clinton está comprometida com
esta política, e se chegar a presidência a intensificaria.
Clinton disse em 2008
que Vladimir Putin "não tem alma". Robert Kagan e outros
"intervencionistas liberais" que desempenharam um papel proeminente na
crise da Ucrânia apoiam a Clinton. A sua política para a Rússia ofereceria um
risco maior de um confronto do que os
outros candidatos?
Sua política seria claramente de um maior confronto com a
Rússia do que a de Donald Trump. Ted Cruz (candidato republicano adversário de
Trump) é um fanático evangélico de extrema direita que seria tão ruim como
Clinton ou talvez ainda pior. Ele compartilha a mesma crença semirreligiosa de
Clinton no papel "excepcional" dos EUA para moldar o mundo à sua
imagem. Por outro lado, Bernie Sanders se opôs à guerra no Iraque. Ele não tem
falado muito da política internacional, mas a seu caráter racional sugere que
seria mais sábio que qualquer dos outros candidatos.
Os assessores de Clinton tratam de destacar sua
tentativa para reformar o sistema de saúde dos EUA. Isso foi realmente uma
tentativa de reforma avançada e tão importante como eles destacam que foi?
Em janeiro de 1993, poucos dias depois de assumir a
presidência, Bill Clinton mostrou sua intenção de promover a carreira política
de sua esposa Hillary nomeando a presidente de uma comissão especial para
reformar o sistema de saúde nacional. O objetivo era realizar um plano de
cobertura de saúde com base no que se denominou "competição
administrada" entre as empresas privadas. O diretor da comissão, Ira
Magaziner, um assessor próximo a Clinton, foi quem desenhou o plano. O papel de
Hillary era vender politicamente o plano, especialmente ao Congresso. E nisso
ela falhou completamente. O "plano de Clinton", de cerca de 1.342
páginas, foi considerado demasiado complicado de se entender, e em meados de
1994 perdeu praticamente todo o apoio político. Finalmente morreu no Congresso.
Respondendo a sua pergunta, o plano basicamente não era dela,
mas de Ira Magaziner. Como o plano dependia das companhias de seguro privadas
com fins lucrativos (como também ocorre com o plano de seguro de saúde de
Obama), ele não foi um avanço, como seria o do sistema universal de saúde que
defende Bernie Sanders.
Notoriamente, a campanha de Clinton tem tomado dinheiro de vários Fundos
de coberturas (Hedge fund). Como você acha que isso poderia
determinar a sua política económica se ela consegue chegar a presidência?
Quando os Clintons deixaram a Casa Branca em janeiro de 2001,
Hillary Clinton lamentou estar "não somente sem banco, mas endividada."
Isso mudou imediatamente. Falando figurativamente, os Clinton mudaram da Casa
Branca para Wall Street, desde a presidência dos EUA para o mundo das finanças
estadunidenses. Os Banqueiros de Wall Street compraram uma segunda mansão para
os Clintons no Estado de Nova York (que foi somada à que eles teem em
Washington DC) emprestando-lhes primeiro o dinheiro, e logo, pagando-lhes
milhões de dólares para dar conferências.
Seus amigos no setor bancário lhes permitiram criar uma
fundação familiar agora avaliada em dois bilhões de dólares. Os fundos de
campanha procedem de fundos de investimento de amigos que colaboram
voluntariamente. Sua filha, Chelsea, trabalhou para um fundo de investimento
antes de se casar com Marc Mezvinsky, que criou o seu próprio fundo de
investimento, depois de trabalhar para o banco Goldman Sachs.
Em poucas palavras, os Clinton se submergiram completamente no
mundo das finanças, que se converteu em parte de sua “família”. É difícil
imaginar que Hillary poderia ser tão ingrata para estabelecer políticas
contrárias aos interesses de sua “família adotiva”.
Fala-se que a política
de identidade é outro pilar de sua campanha eleitoral. Aqueles que apoiam
Clinton dizem que votando por ela se quebrará o teto de cristal e, pela
primeira vez na história, uma mulher entrará na Casa Branca. Por diversos meios,
você tem protestado contra esta
interpretação.
Um razão fundamental para que se desse a aliança de Wall
Street com os Clintons é que os autoproclamados "novos democratas"
liderados por Bill Clinton conseguiram mudar a ideologia do Partido Democrático:
da igualdade social para a igualdade de oportunidades. Em vez de lutar pelas
tradicionais políticas do New Deal
que visam aumentar os padrões de vida da maioria, os Clinton lutam pelos direitos das mulheres e
das minorias, para "ter sucesso" individualmente, para romper os
"tetos de cristal”, para progredir em suas carreiras e para enriquecer.
Esta "política de identidade" quebrou a solidariedade da classe
trabalhadora fazendo que as pessoas se concentrem na identidade étnica, racial
ou sexual. É uma forma de política de "dividir e vencerás".
Hillary Clinton tenta convencer às mulheres, que a sua ambição
é a de todas elas, e que votando nela, estão votando para si mesmas e para o
seu futuro sucesso. Este argumento parece funcionar melhor entre as mulheres de
sua geração, que se identificavam com Hillary e simpatizavam com o apoio leal
dela ao seu marido, apesar de suas traições. No entanto, a maioria das jovens
americanos não foram levadas por este argumento e no momento buscam motivos
mais fortes para votar. As mulheres deveriam trabalhar em conjunto pela causa
das mulheres, como salário igual por trabalho igual, ou pela disponibilidade de
creches para as mulheres que trabalham. Mas Hillary é uma pessoa, não uma
causa. Não há evidências de que as mulheres em geral tenham se beneficiado no
passado de ter uma rainha ou um presidente. Além disso, embora a eleição de
Barack Obama tenha sido boa para os afroamericanos, por razões simbólicas, a
situação da população afroamericana piorou.
Mulheres Jovens, como Tulsi Gabbard ou Rosario Dawson,
consideram que terminar com o sistema de guerras e de mudanças de regimes para
fornecer a todos uma boa educação e saúde são critérios muito mais
significativos na hora de escolher um candidato.
No passado, você criticou a esquerda (ou uma parte
substancial da mesma) por apoiar as chamadas "intervenções
humanitárias".
A propaganda neoliberal dominante
justifica a intervenção militar por razões humanitárias, para
"proteger" as pessoas de "ditadores". Esta propaganda tem
sido muito bem sucedida, especialmente na esquerda, onde muitas vezes a
propaganda é aceita como uma versão
contemporânea do "internacionalismo" da velha esquerda, quando na
verdade é o oposto dela; não se trata das Brigadas Internacionais nem do seu
idealismo que lutavam por uma causa progressista, trata-se agora dos militares
do exercito dos EUA bombardeando países em nome de alguma minoria que podem
acabar mostrando-se como um grupo
mafioso ou terroristas islâmicos.
Honestamente, eu acho
que este meu livro é uma contribuição para a crítica da política
intervencionista liberal, e lamento que não esteja disponível em espanhol,
embora existam edições em Inglês, Francês, Italiano, Português, alemão e sueco.
Nota:
Nota:
Diana Johnstone, “Hillary
Clinton Rainha do Caos”, Editora Página
a Página, 123 pág., Lisboa 2016 (Queen of caos: The Misadventures of
Hillary Clinton, no original inglês).
Este é uma peça para impressão que mede 30x11cm. Copie e cole numa pasta, imprima e divulgue nossa luta |
3 comentários:
Simplesmente FORA-DE-SÉRIE esta postagem.
De parabéns você, de parabéns o Prof. Jorge Moreira.
Ficava indignada com as pessoas torcendo pela Hillary. E me perguntava se ela tudo issoteria alguma CULPA NO CARTÓRIO. Achava mesmo IMPOSSÍVEL que fôsse assim.
Estão ai as provas!
É evidente que o comprometimento dela com o sistema teria que resultar nisso.
E como a grande imprensa consegue esconder tudo isto direitinho? Pelo menos aqui no Brasil a gente não ouve nem lê nadinha a respeito do assunto.
Vou procurar essa rdiçãp portuguesa nas livrarias, e se não, acabo achando na internet
Bom, é isso.
Gostaria muito de ler este "Hillary Clinton Rainha do Caos", que a 'Editora Página a Página' de Lisboa editou.
A propósito, é curioso e até mesmo engraçado que nos tempos da ditadura "fascista medievalesca" de Salazar as editoras lusitanas publicavam autores não somente de esquerda, como de fato marxistas. E isto antes do golpe militar de 1964... porque depois daquele nefasto acontecimento nem os importados d'além mar seriam encontrados no Brasil.
Mas isso tudo não importa no momento. O importante mesmo é que o referido lançamento revela "bombasticamente" as jogadas dos Clinton, que fazem um puta dum esforço para parecerem justamente o oposto do que são. Na verdade, apenas Jimmy Carter, no meu entender realizou um governo mais humano, mormente para a América ao sul do Rio Bravo.
Creio que a sorte da "madame" Clinton foi 'pegar' um candidato mais a direita e totalmente "doidão", meio fácil de desconstruir. E mesmo assim tenho meus receios de que o seu discurso fundamentalista agrade bastante boa parte da população, principalmente naquele meio oeste repleto de ignorantes que só olham para seus umbigos!
Quando Diana Johnstone (a autora) entrevistada afirma que "os Clinton submergiram completamente no mundo das finanças, que se converteu em parte de sua 'família'. É difícil imaginar que Hillary poderia ser tão ingrata para estabelecer políticas contrárias aos interesses de sua 'família adotiva'", ela diz tudo. Aí está o cerne da questão: o sistema capitalista é desonesto por natureza. O 'lobby' nasceu na 'lobby' do congresso dos Estados Unidos. E desde então fazer 'lobby' passou a significar a atividade de pressão, exercida por um grupo organizado, sobre políticos e poderes públicos, com o objetivo de obter benefícios, particularmente de ordem econômica.
Os fatos ocorridos recentemente no Brasil, são nada mais, nada menos do que isso.
E ficam os partidos de direita jogaram toda a responsabilidade no PT, querendo insinuar que este partido o criou, quando na realidade quem criou este hábito foram seua "aliados" do norte. E tudo começou à época do presidente dos Estados Unidos Ulysses S. Grant, que costumava se dirigir ao 'lobby' do hotel Willard para fumar seus charutos e simplesmente relaxar. Lá, ele era abordado por diversas pessoas e grupos que queriam expor suas reivindicações e de certa forma influenciar as decisões públicas(rs).
Putz, falei, falei e esqueci de explicar melhor a origem da palavra 'lobby':
Esta palavra tem sua origem na língua inglesa, que significa salão, 'hall' ou corredor. Segundo alguns estudiosos devido ao fato das articulações e “pressões” ocorrerem em 'lobbys' de hotéis e congressos, surgiu então o termo.
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