quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Cinema. Quem te viu, quem te vê

O Professor Setaro (1), além das excelentes matérias sobre cinema, tem publicado muitas observações pertinentes sobre as salas exibidoras de ontem e de hoje no seu blogue, cujo link se encontra aí ao lado.
Entre outras coisas, fica evidente nestes artigos, que as salas existentes são tão impessoais e estandartizadas, que dificilmente conseguimos nos lembrar onde vimos um determinado filme. Setaro cita exemplos de filmes que assistiu em outros tempos, quando os cinemas em que foram exibidos (2) ficaram gravados na sua memória. Isto porque cada sala tinha uma personalidade definida. Até comentei a propósito, citando casos semelhantes. Como “Os dez mandamentos”, que assisti no Ópera (hoje uma loja da Casa & Vídeo) ou “A volta ao mundo em 80 dias” no Vitória, que, em ruínas, virou um deplorável estacionamento.
Um outro aspecto importante abordado por Setaro é o do encolhimento das salas, e conseqüentemente do público. Em seu artigo Cinema, hoje, é entretenimento de uma elite ele diz: “...Na década de 50, o Brasil tinha perto de dez mil salas exibidoras. Em 1975, já se contavam apenas cinco mil. No ano passado, chegou a mil e novecentas...” Isso mostra como diminuiu o total de salas, e os lugares disponíveis, pois os cinemas também encolheram no tamanho.
Os números são assustadores e temos que nos lembrar que, se cinema um dia foi um entretenimento de massas e barato, hoje os preços das entradas quase se equiparam aos do teatro. Ademais, os cinemas de um modo geral eram grandes. O Olinda, na Praça Saens Pena chegou a acomodar 3.500 pessoas (3). Também era emocionante assistir ao espetáculo das luzes se apagando num jogo de cores e o gongo anunciando que a sessão ia começar. Eram geralmente três gongadas e aí começavam os trailers, os cine-jornais e os curtas que precediam o filme.
Cinema virou programa de rico. Pobre não vai mais, simplesmente porque não pode. E é duro admitir, mas esta diversão virou a simples extensão de um programa no shopping. Por isso mesmo a invasão de refrigerantes e hamburgueres, sem contar as pipocas. Existia o baleiro a circular nos corredores com sua lanterninha, e em outros as bomboniéres repletas de drops e outras guloseimas que têm muito mais a ver.
Outro exemplo eram os chamados “poeiras” e suas cadeiras de pau. Eu me lembro do Guanabara, que no verão, à noite abria seus janelões laterais para ajudar a ventilação, porque ar condicionado naquele tempo era artigo de luxo. E por falar em luxo, é importante lembrar que até nas salas mais sofisticadas os preços eram accessíveis.

(1) André Setaro é um dos maiores conhecedores da sétima arte no Brasil. Além de crítico em jornais e na internet, é professor de cinema na Universidade da Bahia.
(2) A propósito, escreve Setaro nos comentários de uma das suas matérias: “Associava, antes da avalanche multiplexada, do 'fast-food cinematográfico' imperante nas salas, sempre, o filme ao cinema, o cinema ao filme. Os grandes espetáculos hollwyoodianos, vi-os no majestoso Tupy: ‘Os dez mandamentos’, ‘Ben Hur’, ‘El Cid’, ‘A queda do império romano’, ‘Spartacus’, ‘Dr.Jivago’, ‘...E o vento levou’, etc.”
(3) O Olinda talvez tenha sido a maior sala do Rio de Janeiro. No entanto o Palácio, o São Luiz ou o Roxy tinham capacidades semelhantes.

10 comentários:

André Setaro disse...

Para se ter uma idéia, ontem fui ao Shopping Center Iguatemi, aqui em Salvador, Bahia, para ver, às 21 horas, "Cascalho", longa metragem baiano de meu amigo Tuna Espinheira. Mas cheguei cedo demais e resolvi entrar num sala para ver "Última Parada 174", de Bruno Barreto, mais no intuito de "fazer hora" - e agora me veio à lembrança o Cine Hora do Rio, que passava filmes mais curtos para o pessoal, no centro da cidade, fazer hora. Surpreendeu-me que a sala estava quase lotada - bom para o cinema brasileiro, mas, sentei-me ao lado de uma mulher que falava, sem parar, ao celular. Fiquei nervoso e minha atenção - sempre vejo um filme em silêncio, seja ele qual for, e com muita atenção - se dispersou. A "ignara" - somente tenho esta expressão para designar a infeliz vizinha da poltrona - conversava com alguém e falava de aniversários e presentes e das compras que tinha efetuado, naquele dia, no shopping. Estava aborrecida por não ter encontrado uma fitinha da cor desejada pela sobrinha. Não aguentando mais, e a verificar que não havia mais poltronas livres, saí do cinema, perdendo o filme, que até estava me interessando. Fui à sala de enfermagem tomar minha pressão arterial, porque tenho uma amiga que é enfermeira. Ela verificou que a tensão estava alta: 16X11. Mas me disse que voltasse uma hora depois e fosse passear pelo shopping. Na volta, a pressão estava "clássica": 12X8. Não resta a menor dúvida que foi a consumição da platéia selvagem da sala do Multiplex que a elevou. Verifico que a geração atual vê o filme com total apatia pela que está passando na tela. Mas, logo depois, vi "Cascalho", o que me fez bem à saúde e ao espírito.

Jonga Olivieri disse...

É insuportável se assistir um filme nos dias que passamos.
Às vezes chego à conclusão que estou ficando velho, mas, cara, não dá pra agüentar o nível de alienação das criaturas que povoam um cinema como se estivessem num McDonalds da vida. Mas, infelizmente é isso que virou!

Anônimo disse...

Muito bom o blog do André Setaro. De vez em quando o tenho lido.

Anônimo disse...

O professor André Setaro, que se não me engano é seu primo tem competência e suas matérias sobre cinema são muito esclarecedoras.
Otávio

Jonga Olivieri disse...

Vale a pena JR...

Jonga Olivieri disse...

Sim, é meu primo e tem expertise em cinema. Por isso suas anãlises são tão esclarecedoras.

Anônimo disse...

Gostei muito das observações do André sobre cinema, muito embora eu me lembre muito pouco dos cinemões fora de shoppings, pois minha geração já pgou esta fase.
Devia ser muito lindo assistir filmes nesses cinemões com o espetáculo de luzes descrito por você. E o gongo? Que lindo!

Jonga Olivieri disse...

Você é um encanto, Mary...

Ieda Schimidt disse...

Ontem não deu, mas quero dar meu apoio ao blog do Professor Setaro que é das melhores publicações sobre cinema que tenho lido na internet.

Jonga Olivieri disse...

E vocês deviam comentar mais no blogue dele, né mesmo Ieda querida?