sábado, 11 de outubro de 2008

Lições de 1929

Ao acompanhar medidas tomadas pela burguesia em busca de “soluções” coordenadas (1) para a crise econômica (que dizem ser apenas financeira), observo como a história prepara suas ironias, repetindo não somente “velhas” causas, como também “velhas” saídas. O fato é que nesta crise o neoliberalismo está em cheque. Na crise de 1929, o laissez-faire (2) também chegava ao seu ponto crítico. Se antes o Estado não interferia na economia, deixando tudo agir conforme o mercado, passava então a intervir (3). O resultado disso foi a criação de grandes obras de infra-estrutura, salário-desemprego, assistência aos trabalhadores, etc.
Mas quais os fatores que causaram aquela crise? As suas origens podem ser atribuídas a um período de grande prosperidade dos negócios nos Estados Unidos. Primordialmente, formou-se naquele país um excedente de produção agrícola, que não encontrava comprador, interna ou externamente. Segundo: a indústria estadunidense crescera muito, e, no entanto, o poder aquisitivo da população não conseguia acompanhar esse rítmo. Aumentava o número de indústrias e diminuía o de compradores. Em pouco tempo, várias delas começavam a falir. E finalmente, o capitalista fazia o que bem entendia e ninguém se metia.
A sua conseqüência? O crack da bolsa de Nova Iorque aconteceu quando se compraram ações das mais diversas empresas de forma desenfreada. Estas atingiram cotações altíssimas, muito maiores que o seu valor real. No instante em que uma delas faliu, percebeu-se que pagaram mais do que a realidade do mercado. Com isso, os investidores passaram a querer vender suas ações, provocando baixa no seu valor.
E a crise atual? Teve o seu estopim no mercado hipotecário dos EUA, e é uma decorrência da crise imobiliária pela qual passa o país, e deu origem a uma mais ampla, no setor de créditos de modo geral. O principal segmento afetado foi o das hipotecas chamadas de “subprime” (4) que embutem um risco maior. Em 2005, comprar uma casa (ou mais de uma) tornou-se um bom negócio, na expectativa de que a valorização dos imóveis fizesse da nova compra um investimento. Também cresceu a procura por novas hipotecas, a fim de usar o dinheiro do financiamento para quitar dívidas e, também, gastar mais.
Em 2006, os preços dos imóveis passaram a cair. Os juros do Federal Reserve (leia-se Banco Central), que vinham subindo desde 2004, encareceram o crédito e afastaram compradores. Com isso, a oferta começou a superar a demanda e desde então o que se viu foi uma espiral descendente no valor dos imóveis. Com a alta dos juros, aconteceu o que mais se temia: a inadimplência aumentou e o temor de novos calotes fez o crédito sofrer uma desaceleração em todo o país, desaquecendo a economia de forma mais ampla.
Trocando em miúdos, e repetindo palavras ditas no início desta matéria, somente se trocando algumas palavras: a atual crise “aconteceu quando se compraram imóveis de forma desenfreada. Estes atingiram cotações altíssimas, muito maiores que o seu valor real. No instante em que uma das financeiras faliu, percebeu-se que pagaram mais do que as propriedades valiam. Com isso, os investidores passaram a querer vender seus imóveis, provocando baixa no seu valor.” Outrossim, “o capitalista voltou a querer fazer o que bem entende e ninguém se mete.” O mais interessante é que as lições da história de pouco valeram. A busca do lucro a qualquer preço no cassino (5) do sistema tem lá as suas armadilhas. E o pior é que todos vamos pagar um preço muito alto por isto!

Nota ao pé da página: quando digo que as aventuras dos capitalistas vão ter um preço alto em sua ganância, é só dar uma olhadela do que está a acontecer com a economia no Brasil na última semana. Seqüelas vão ficar para o povo pagar, nem tanto pela queda da bolsa de valores, mas principalmente no tocante à alta do dólar (6).

(1) A reunião do G7 (os países ricos), anunciou ontem um pacote de ações econômicas conjuntas que serão tomadas pelos seus Bancos Centrais para enfrentar a crise em nível internacional.
(2) O termo em sua tradução literal significa: “deixai fazer”. A expressão refere-se a uma filosofia econômica que surgiu no século XVIII, e que defendia a existencia do mercado livre nas trocas comerciais.
(3) O New Deal (Nova Partilha) consistiu na substituição do liberalismo econômico clássico, no qual o Estado não pode intervir na economia, por um sistema misto com a intervenção nos assuntos econômicos, além de uma forte política social.
(4) O cliente "subprime" é um cliente de renda baixa, com dificuldade de comprovar renda e muitas vezes com histórico de inadimplência.
(5) O sr. da Silva utilizou a expressão “cassino” para definir a jogatina das bolsas e da especulação imobiliária no Estados Unidos. Não sei se a definição é dele mesmo, mas vai aqui o crédito.
(6) O dólar, que ontem fechou cotado a R$ 2,326 na venda, e com isso, acumula uma alta de 13,7% na semana, 22% no mês e 30,9% no ano.

10 comentários:

André Setaro disse...

O Prêmio Nobel de Economia, cujo nome me esqueço agora, afirmou recentemente que a crise ainda está a começar. O pior está por vir. O Brasil, assim como todos os países do mundo, sofrerá severo abalo sísmico. Se a crise se restringisse aos 'jogadores profissionais' (copryght Hélio Fernandes), tudo bem, creio até que mereceram um castigo. Mas a desestabilização do 'system' provoca um colapso mundial. Os insumos dos alimentos, por exemplo, têm boa parte deles importados. A comida vai ficar cara. O crediário, hoje tão farto (um carro zero pode ser comprado até por 150 reais por mês, ainda que em cinco anos, com o dólar barato as agências de turismo fizeram a festa...). Já me vejo a sair todos os dias para, num tenda armada pelo governo, ir, tique na mão, pegar meu prato de sopa de cada dia. Viajar? Só se for, como fez Machado de Assis, ao redor de si mesmo. Daqui a pouco, somente à vista, em 'cash'. Um jornal já publicou: "Viajar ao exterior volta, novamente, a ser um sonho", e, bem entendido, não um sonho de noite de verão. Para se ter uma idéia de como pode ficar a vida, basta dar uma olhada em alguns filmes neo-realistas italianos e sentir o desemprego, a fome e a miséria na grande Itália do pós-guerra. As pessoas com quem converso não estão tendo a exata dimensão do que vem a seguir. De qualquer forma, uma lição: não se pode entregar a regulação da economia ao mercado, que é um Deus no neoliberalismo. A tão contestada intervenção estatal vem a ser um paliativo, mas, de qualquer modo, um socorro que alivia derrotas maiores. Já comprei um isopor para vender latinhas de cerveja na praia do Porto da Barra. E comer o pão que o diabo amassou. Com uma alface e dois tomates.

Ieda Schimidt disse...

O G7, que tu batizastes como Internacional Capitalista – por sinal uma feliz definição – fechou metas estabelecidas para proteger as economias mais ricas.
Lula está se posicionando muito bem neste contexto. Ontem defendeu os países pobres e acusou as nações ricas de estarem “armando” uma possível transferência de responsabilidades quanto a quem deva pagar pelo rombo.
Como bem dissestes, a definição de cassino foi, eu diria, um achado. E o mercado de ações é mesmo uma jogatina da pesada.
Mas oq eu vai pesar mesmo é o dólar. Este vai nos pegar de calças curtas e já está causando graves conseqüências.

Jonga Olivieri disse...

Tem razão André, quando você diz que as pessoas não imaginam o que é passar por uma depressão econômica. Fico a lembrar de romances e filmes que retrataram essas situações.
“As vinhas da ira”, romance de Jonh Steinback filmado por Jonh Ford ou “Tempos modernos” de Chaplin são dois exemplos que refletem como a crise afetou o homem do campo ou da cidade na década de 1930.
É comum a gente ver também cenas de filas de criaturas famintas em busca de uma sopa, ou mesmo um reles pedaço de pão.
O pior de tudo. O nazismo encontrou um campo propício para se expandir numa Alemanha devastada pela grande depressão. Assim como o New Deal ele foi uma proposta de sobrevivência do capitalismo aos novos tempos e à necessidade do Estado intervir na economia – terminando com o laisséz-faire – e na sociedade, frente à “ameaça do comunismo”.

Jonga Olivieri disse...

É a "Internacional Capitalista" em ação, a tentar evitar erros cometidos em 1929. Alguns, porque o neoliberalismo foi uma reedição (embora moderada) do laisséz-faire.
Por outro lado as declarações de nosso presidente têm sido bastante acertadas. O sr. da Silva está sendo obrigado a tomar posições mais à esquerda dos que as de costume, pressionado pelo debacle do capitalismo no mundo.
Continuar assim, vai depender da extensão real desta crise e seus reflexos no Brasil.

Anônimo disse...

Conforme já comentei neste blog, a crise já noa atingiu em cheio.
Quando falas do dólar, está deixando claro isso. É por aí mesmo que vai se agravar e assumir proporções calamitosas.
Anselmo Frasão

Anônimo disse...

Tenho até andado meio ausente por causa desse sufoco! UFAAAA!
Otávio

Jonga Olivieri disse...

Evidente que sim.
O dolar mais alto provoca uma escalada de preços que não atinge somente os importados, mas acaba por influir em toda a economia e nos preços.
Ministros e o próprio presidente estavam negando que a crise já nos atingia, mas era um blefe.
Agora não tem jeito. Está claro que a crise nos atingiu.
O país também entrou no jogo do cassino especulativo e os papéis voláteis. Hoje a classe média alta joga na bolsa como a gente jogava bola de gude nos tempos de criança. Uma brincadeirinha!!!
Ou, volto a perguntar: será que nós por acaso estamos em outra galáxia?

Jonga Olivieri disse...

Quem manda ser um jogador, hein Otávio? Em todos os sentidos...

Anônimo disse...

Fico impressionada quando vejo aqueles filmes com pessoas na fila para tomar uma sopa ou comer uma migalha de pão.
Talvez por ser do nordeste eu sinta mais a presença disso ao meu redor. Basta sair na rua e você já se depara com a fome, a miséria. A verdade é que temos isso no Brasil sempre, independente de depressão.
Acho que o André Setaro lembrou bem os filmes neo-realistas italianos, que até assisti poucos porque são difíceis de conseguir.
Mas você lembrou bem de Tempos Modernos de Charlie Chaplin que retrata bem este período. Será que estamos adentrando outra vez nisso tudo?

Jonga Olivieri disse...

Sim, no nordeste a fome é maior. Mas nem por isso o resto do brasil está fora. Saindo-se da cidade e entrando no submundo (a periferia) ja´nos defrontamos com a miséria e as casas pobres.
Talvez em Fortaleza seja difícil, mas é provável que seja encontrado em boas casas de som. Aqui no Rio tem a 'Modern Sound' que tem tudo o que se possa procurar.
E será que não têm locadoras mais especializadas em filmes raros?