quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O desastre Henry Ford

Este artigo foi publicado no antigo “Pensatas” em maio de 2007.

Quando vemos notícias de que os engarrafamentos em São Paulo atingiram mais de 200 quilômetros, ficamos assustados. Para além disso, quando sabemos que a mesma cidade ultrapassou a quantidade de seis milhões de veículos automotores chegamos à conclusão que é um número talvez exagerado para as possibilidades existentes de escoamento do trânsito. Agora então, com o grande “boom” na indústria automobilística a coisa tende a tomar proporções antes não imagináveis. Atualmente são mais de 50 milhões em todo o país.
Mas, pergunto eu, pra que tanto automóvel? Pra que tanta gente saindo de casa para se deslocar em seus veículos, sozinhas na maioria das vezes. Para conhecer melhor as razões desta conduta precisamos voltar no tempo... cerca de um século. E nos abstrairmos de algo que está incutido em nosso comportamento no dia-a-dia de tal forma que se torna muito difícil para a maioria das pessoas fazerem algum tipo de questionamento. Hoje, vemos o popularmente conhecido carro, quase como um fenômeno natural e inserido na paisagem das cidades e até do campo.
Bom, o negócio todo começou a tomar um formato gigantesco a partir de um sujeito que as classes dominantes costumam idolatrar chamado Henry Ford. Sei que o “pobre diabo” foi apenas o instrumento de uma etapa, e que se não fosse ele teria sido outro. Mas é preciso que o julguemos pelos seus atos a partir de uma simples premissa: o mundo tornou-se muito pior depois dele! Quando Ford lançou o “Model T” (1) – aqui conhecido como Ford de bigode – lá pelos idos de 1908, estava inaugurando, pela primeira vez, a produção em massa deste monstrinho de quatro rodas. E, claro, como “bom burguês” que era, estimulando e ajudando a consolidar o individualismo no comportamento social.
Sim, o transporte individual é um componente importantíssimo na escala de valores social-filosóficos da burguesia. Com ele, classes e camadas sociais se diferenciam através do status, gerando a competição, e por causa dele as pessoas se isolam cada vez mais daqueles que os cercam. Sempre fico a pensar o quanto uma sociedade justa não teria algo assim. O agravante é que, principalmente nos países do terceiro mundo (entre os quais nós estamos) deixou-se relegado a segundo plano o transporte de massas. As redes de metrô no Brasil são ridículas, inclusive a da cidade de São Paulo (2), que costumamos achar um “modelo”. Não restaram muitas alternativas para o cidadão comum se deslocar com conforto a não ser com o automóvel, na maioria das cidades
Ademais o veículo é um dos principais canais de poluição em nossos dias, tendo sido também o grande “culpado” pela desativação de importantes ferrovias no Brasil e em outros países chamados “emergentes”. A construção de rodovias e o uso inadequado de caminhões nesta malha que se deteriora facilmente é um “cancro” que o país enfrenta, e todos sabem disso. Graças ao “desastre Henry Ford”, o Mr. Hide que muitos proclamaram como Dr. Jekyll.

(1) A produção do “Model T” foi mantida até 1927. Pouco tempo após realizar uma cerimônia para apresentar o veículo de número 15 milhões, Henry Ford concluiu que era chegada a hora do Ford de bigode ceder o seu lugar a uma nova geração.
(2) O site UrbanRail.Net (
http://www.urbanrail.net/index.html) inicia o seu texto sobre o metrô paulistano da seguinte forma: “São Paulo's is among the younger metros in the world and it's considered one of the most modern although today's extension does not cover all areas of this populous city.”

6 comentários:

André Setaro disse...

A atual cidade de Salvador, Bahia, por exemplo, é uma cidade planejada em função do automóvel. O cidadão que não o possui sofre o diabo para poder se locomover e, além do mais, ter carro é sinônimo de 'status' - o que, felizmente, tem caído com o consumo desenfreado e a facilidade do crédito (antes que a bomba estoure).

Ieda Schimidt disse...

O transporte individual é responsável pelo individualismo exacerbado de nossos tempos.
Uma aberração para a humanidade e os valores humanistas.

Jonga Olivieri disse...

E como eu disse, culpa do senhor Ford e desta doença do individualismo no capitalismo, da necessidade das pessoas serem o que têm e não o que são.
Tive automóvel durante mais de trinta anos. Vendi em 2002 e não me arrependo. Pena que o metrô em nossas cidades ainda é muito precário, senão, seria ótimo, mas, olha, mesmo de ônibus a gente se locomove. E quando preciso, pega-se um táxi. Bem melhor.
Aliás, falar em metrô, o daí de Salvador é uma pouca vergonha e os Magalhães devem ter afanado bastante com um projeto que já virou piada, não é mesmo, André?

Jonga Olivieri disse...

Sem dúvida Ieda. O transporte individual é uma das maiores manifestações da ignorância humana...

Anônimo disse...

E é um tipo de problema que se agrava a cada dia que passa.
Cada vez mais carros, cada vez mais poluição, cada vez menos possibilidades de se andar sem automóvel.

Jonga Olivieri disse...

Pra se ter uma idéia disso, aqui no Rio as condições de transporte público ainda são pelo menos utiçizáveis.
Mas, por exemplo, quando morei em Belo Horizonte, precisava do carro para tudo. Olha, naquela cidade não se faz nada sem automóvel...
Imagino aí em Fortaleza como serão as coisas.