quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Sonhos e pesadelos

Em 28 de agosto de 1963, Martin Luther King realizou o seu famoso discurso em que dizia “ter um sonho”. Um sonho de que um dia os negros ocupariam um lugar na sociedade estadunidense. Um sonho em que a discriminação racial chegaria ao fim naquele país. Um sonho que, na época em que foi revelado, parecia impossível de se alcançar um dia. Assistindo ao debate televisivo entre Obama e McCain, pensei o quanto este sonho pode não estar tão longe de se tornar uma realidade.
O assassinato de Kennedy pode ser considerado um marco do fim do chamado “american dream”. Até então, no rastro da II Grande Guerra, os Estados Unidos ainda tentavam conservar a imagem de um país voltado para “causas justas”. A Guerra da Coréia não conseguira derrubar este mito, muito embora o tenha abalado. Mas, o próprio J. F. Kennedy foi quem acirrou o conflito no Vietnam, concentrando tropas naquele país e aumentando o poderio de fogo ianque na contenda. Começava assim o “american nightmare”. Um pesadelo que perdura até os nossos dias.
Passados mais de quarenta anos, encontramos os EUA como potência hegemônica e uma série de “ocupações e guerras injustas” ao redor do planeta. Num país dominado pelo pensamento único, por um partido único (1), dividido em duas correntes – uma mais aberta ao mundo, a outra voltada para o seu próprio umbigo – ficou evidente que o governo Bush faliu em suas propostas político-ideológicas com o cheque-mate ao neoliberalismo, após os massacres na guerra do Iraque.
Ambos os debatedores que se habilitam à sucessão posicionaram-se como opositores. Mas há um dado importante em tudo isto, porque simplesmente um deles é negro. Assisti aos dois debates, pois acho importante que todos nós saibamos o que está a acontecer na sede do império. Afinal de contas, o que acontece ali, reflete-se em todo o mundo, principalmente no mundo de hoje, em que as distâncias ficaram muito pequenas. A crise, que era financeira, mas virou econômica, que o diga.

(1) Defendo a tese de que nos Estados Unidos, os dois partidos políticos mais representativos são apenas facções de uma idéia central, e que diferem em algumas questões.

20 comentários:

Unknown disse...

Apesar dos pesares, espero que Barack Obama vença as eleições. A mãe dele se apaixonou pela negritude depois de ver, nos Estados Unidos, 'Orfeu negro', de Marcel Camus.

Jonga Olivieri disse...

Um dado interessante, caro André. Eu não sabia disso!
Aliás, segundo textos extraídos na web em pesquisa que fiz a respeito dele: "...na versão resumida da vida de Barack Obama, sua mãe é apenas a mulher branca do Kansas. A frase vem acompanhada de maneira aliterativa com seu complemento, o pai negro do Quênia." (sic)
A verdade é que Stanley Ann Dunham Soetoro, sua mãe, morreu de câncer, abandonada pelos seguros de saúde; que alegavam ser a doença anterior a sua adesão. Isto segundo revelações do próprio candidato no debate de ontem.
O dado, que aliás não nos é de todo estranho, até porque o Brasil (um país pobre do terceiro mundo), resolveu implantar o sistema de saúde estadunidense, que até lá (um país rico do primeiro mundo) tem falhas criminosas como esta.

Jonga Olivieri disse...

Complementando e ainda em tempo: creio que todos torcemos por Obama (pelo sonho de Martin Luther King), e por tudo o que possa acontecer para que o povo estadunidense encontre um caminho que leve a humanidade a não desaparecer de vez por todas deste planeta.

André Setaro disse...

Sim, li, se não me engano, na "Bravo". A mãe de Obama, mulher branca de Kansas, foi ver "Orfeu Negro" (1959), de Marcel Camus, baseado na peça "Orfeu da Conceição", de Vinicius de Morais, num cinema de sua cidade, e se encantou com a cultura negra, com o samba, com a malemolência dos personagens negros, com a poética que porventura sentiu no filme. Filmado no Rio de Janeiro, "Orfeu Negro", também conhecido como "Orfeu do Carnaval", tem música de Antonio Carlos Jobim e Vinicius, e, ainda que tenha uma visão muito romântica e, de certa forma, estereotipada da cultura negra, a progenitora do futuro presidente dos Estados Unidos, apaixonou-se pela maneira de ser dos negros segundo a ótica de Camus. E o filme se tornou uma sensação na época a ponto de entusiasmar o júri de Cannes, que lhe concedeu a Palma de Ouro. Walter da Silveira, lembro-me bem, não gostou do filme, achando-o "estrangeiro". Tem, em sua antologia "Fronteiras do Cinema" (Tempo Brasileiro, 1966), um ensaio grande sobre o filme intitulado "Orfeu do Carnaval": um filme estrangeiro". Gostaria de revê-lo para situá-lo melhor, e, para isso, vou procurá-lo nas locadoras ou na internet.

O fato é que Barack Obama não existiria se sua mãe não tivesse, numa tarde chuvosa nos idos dos 60, visto "Orfeu do Carnaval". Marcel Camus era um cineasta apaixonado pelo Brasil. Ainda, anos depois, chegou a fazer outro filme, e desta vez, em Salvador, "Os pastores da noite", baseado em livro homônimo de Jorge Amado. Uma vez, passando pelo Campo Grande, vi, de longe, uma filmagem, e cheguei mesmo, depois, a entrevistar Camus para a "Tribuna da Bahia" no Pelourinho.

Jonga Olivieri disse...

Putz! Acho que estou de fato a envelhecer. Pois não é que vi este filme e ainda me lembro de algumas cenas como a do personagem principal carregando o corpo de sua Euridice negra.
E da música "Tristeza não tem fim... felicidade sim...", bela letra de Vinicius de Morais.
Mas foi bom saber deste contato da mãe de Obama com o filme.
O filme, de Marcel Camus, é de fato uma co-produção com elenco brasileiro e equipe técnica basicamente francesa.Porém, não deixa de ser brasileiro também.

Ieda Schimidt disse...

"I have a dream", a frase que resume o discurso de Luther King frente a uma imensa multidão de negros e brancos em 1963, e que até hoje emociona o mundo inteiro.
Em 1955, uma mulher negra se negou a dar seu lugar em um ônibus para uma mulher branca em Montgomery e foi presa. Líderes negros organizaram um boicote aos ônibus naquela cidade no estado de Alabama, no sul dos EUA para protestar contra a segregação racial. Durante a campanha, Luther King sofreu ameaças e foi preso. Ao fim de 381 dias, o boicote terminou com a decisão da Suprema Corte em tornar ilegal a discriminação racial em transportes coletivos.
Definistes bem o ano de 1963 como o fim do "sonho americano" e o início de seu pesadelo.
Naquele ano fatídico, o assassinato de J. F. Kennedy marcou essa transição.
Até hoje envolta em mistérios, sua morte foi obviamente um complô dos setores mais reacionários da política interna dos Estados Unidos. E digo interna, porque como bem dissestes, no plano externo a sua política era bastante reacionária. A invasão da Baía de Los Porcos, em Cuba, é uma evidência disso.
Mas, será Barack Obama uma possibilidade de mudanças? Não sei, mas pelo menos é a esperança de uma modificação nos caminhos, após 8 anos de um desastroso (des)governo com Bush.

Jonga Olivieri disse...

Uma trajetória digna de nota a de Martin Luther King. Foi uma vida de lutas...

Jonga Olivieri disse...

Triste essa coisa de racismo em transportes nos Estados Unidos.
O fato a seguir aconteceu com um amigo meu que estava nos Estados Unidos na década de 60.
Ele conta que fez uma viagem de Illinois (onde estava fazendo um pós-graduação) até Louisiana. E que em determinado local, o motorista veio acorda-lo. Alegou que ele tinha que trocar de lugar com alguém que estava na frente.
Ele, puto da vida por ter sido acordado no meio da noite, disse que não queria ir. O motorista disse que ele deveria ir, porque senão ele (motorista) teria que pagar uma multa, pois no estado em que estavam (Mississipi), negros não podiam estar sentados à frente de brancos.

Anônimo disse...

Acho interessante essa sua tese de partido único nos Estados Unidos. Mas eu não concordo muito com ela. Acho que são dois mesmo.

Anônimo disse...

Acho que o Barak Obama vence esta eleição. E tenho quase a certeza que as coisas vão melhorar bastante.
Otávio

Unknown disse...

Para se ter uma pequena idéia da agonia financeira que abala o mundo: US$ 700 bi dariam para pagar um salário mínimo por dez anos para quase 30 milhões de brasileiros.

Stela Borges de Almeida disse...

Interessante os comentários, Barack Obama sim, mas a pergunta da guachescas permanece como uma incógnita. Contrapor-se ao racismo secular na busca da identidade cultural, repúdio ao ódio e sim ao diálogo com outras culturas, será que Obama enfrentará as novas formas do neocolonialismo?

obs: como os comentadores desta página colocaram suas caras amigas, resolvi postar com uma foto, não tão bonita quanto a da guachescas lindinha, mas...

Jonga Olivieri disse...

São duas faces da mesma moeda. No caso o dolar, amigo.

Jonga Olivieri disse...

Pois eu não tenho certeza de nada, Otávio. Se ele fosse mudar alguma coisa pra valer, nem conseguiria se candidatar.
O jogo da "democracia" ocidental é assim: oposição tem que estar nos conformes do sistema. Senão...

Jonga Olivieri disse...

É muito dinheiro, Setaro!
E eles queimam isso como se fosse um joguinho mesmo!

Jonga Olivieri disse...

Aí é que está, Stela. Será?
Acho meio impossível dentro do cenário estadunidense alguém confrontar de frente questões como essas e sair vivo.
Agora, considero um grande passo adiante ter um negro como candidato.
E quanto à sua foto, ficou ótima.

Anônimo disse...

Ôxem, essa matéria deu o que falar. Levei mais tempo lendo os comentários do que ela propriamente dita.
Todos do mais alto nível.

Jonga Olivieri disse...

Concordo, Mary, os comentários aqui forma excelentes.

Anônimo disse...

Partido único era o que havia na Rússia durante o governo comunista. Nos Estados Unidos existem muitos partidos políticos, mas só os dois citados tem mais expressão.
Ernesto

Jonga Olivieri disse...

Rússia é uma parte da URSS. Até concordo quanto à URSS ter mantido um partido único, totalitário... e que deu no que deu!
Mas isto é uma longa história. talvez lendo Isaac Deutscher você possa encontrar bases melhores para uma análise da questão.
No tocante à política nso EEUU, você realmente vai encontrar uma gama de partidos dito nanicos sem a menor expressão. Até de extrema esquerda. Eles o permitem enquanto não são uma ameaça ao sistema.
Agora, Republicanos e Democratas, estes sim, são farinha do mesmo saco!!! Por isto eu digo que são o "Partido Capitalista" (o PC de lá) em duas versões. Capito?